
Pátria (Guerra Junqueiro), 1896
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
Olá Kaótica,
ResponderEliminarÉ fantástico, de tão actual, este texto do Guerra Junqueiro.
Eu própria também já o publiquei há uns tempos atrás, porque verifiquei que mais de um século depois as coisas não mudaram...
O mesmo acontece com uns sonetos que publiquei ontem e que nos mostram como o homem continua igual, cá como no Brasil, pelo menos.
Um abraço
Olá Meg
ResponderEliminarTive a sorte de ter na faculdade professores que me deram a conhecer este e outros textos. É uma época reveladora de muitos dos podres com que nos deparamos hoje em dia: os tratados, a Europa, os humilhados e ofendidos, a miséria do povo, os compadrios, as corrupções, dois partidos causadores de tudo isto governando em alterne, encobrindo-se e revelando-se, uma justiça vergonhosa. Naquele tempo desencadeou no regicídio, agora não sei a que limites chegará a nossa paciência.
Vou ler os teus sonetos. Boa quarta feira de cinzas!
Abraço