sábado, abril 22, 2006

A "Tourada" -- Memórias Ainda Muito Presentes

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça
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Tourada (Ary dos Santos)

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
esperas.

Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais são
tretas.

Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão não pega.

Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.

Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.

Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.

Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...

Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.

E diz o inteligente
que acabaram as canções.

(Escrito no final de 1972. Interpretada por Fernando Tordo, concorreu ao Festival da RTP da Canção de 1973 onde obteve o 1º lugar)


Estávamos no país cinzento marcelista, num momento em que o Festival da Canção era visto por todo o povo português. Fernando Tordo concorreu com a Tourada, poema escrito por Ary dos Santos que não percebia nada de touradas mas que percebia muito da sociedade portuguesa da sua época. Ary dos Santos contava que o poema tinha sido escrito a partir de uma listagem de termos técnicos da tourada que um amigo lhe facultara. Quanto à "fauna" frequentadora, deve ter sido para ele tarefa fácil encaixá-la no poema. A música, propositadamente festivaleira, ao sabor do gosto popular, terá certamente iludido os censores da PIDE-DGS, a quem a intenção jocosa das palavras deve ter passado despercebida. O rol do público das touradas correspondia afinal à realidade, pelo que não deve ter causado estranhamento. A forma como a música foi interpretada pelo Fernando Tordo ainda imberbe, envolvido por todo o clima naif que se cultivava, também deve ter contribuído para que a intencionalidade da crítica social tenha passado despercebida à maior parte das pessoas. No entanto, a Tourada soou como uma lufada de ar fresco, dando alguma cor ao cinzentismo reinante. E, o facto de ter ganho o primeiro lugar, foi significativo. Algo no país estava prestes a mudar...

2 comentários:

Arrebenta disse...

Manda-me o touro original para o mail, porque tenho Uma Kaos Parade para lhe colar nas fuças :-)

Alien David Sousa disse...

Ok até sei ler. Quanto à imagem, parece de que desde que o Cavaco se tornou presidente que se esqueceram de que quem deveriam ser alvo de criticas é o senhor sócatres, já o disse ao meu caro Kaos. Enfim....bjs

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