quarta-feira, maio 31, 2006

Se o nosso governo fosse uma Associação...

O Complexo Maria Antonieta de Paulo Portas

Esta é de cabo de esquadra. Ficámos hoje a saber, nos últimos minutos mais risíveis do programa O Estado da Arte, que o terror foi inventado pela Revolução Francesa. Tantos livros para isto: o calhamaço Citizens -- aconselhado pelo Vasco Pulido Valente, o tal soutor que dá aulas de História dos séculos 19 e 20 numa universidade dessas que para aí andam (os frutos podres que isto dá...) -- e é então que, com a leitura da tradução brasileira, o senhor Paulo Portas chega a esta brilhante conclusão: o terror é um produto da Revolução Francesa – este livro dá, diz ele, a versão definitiva da História. E se Paulo Portas o diz, nós não acreditamos. Então ele quer vender-nos a ideia de que o terror começou com a Revolução Francesa? Antes da Revolução Francesa não havia terror? Para ele não devem contar nem os Gregos, nem os Romanos, nem a Inquisição, tudo boa gente, sem violências, sem terror, tudo numa boa e eis que chega a Revolução Francesa, os malandros dos franceses, para lançar o mundo no terror. Paulo Portas tem tanto medo de revoluções quanto a pobre Maria Antonieta já de cabeça perdida. Comove-se então por Maria Antonieta, rapariga da corte metida em traficâncias e negociatas, coisas de nada, e que perdia a cabeça por se divertir. E vai o moralista do Portas atira com mais esta: como se isso tivesse algum mal. De vir às lágrimas!
No final do programa – e curiosamente quando largou as suas opiniões de comentador político de circunstância – começando a falar de História a propósito de Arte (o filme sobre Maria Antonieta de sophia Coppola!) -- aí é que o programa denunciou o Estado da Arte, o estado da História e o estado de sítio apud Paulo Portas. A sua capacidade de deturpar a História aos olhos de todos seria perigosa se não se evidenciasse tão ridícula. O nítido e ávido terror e horror por palavras como Revolução e Democracia provem em Paulo Portas de uma espécie de trauma de infância que as descrições da Revolução Francesa um dia despoletaram, dando nele origem a um valente complexo de Maria Antonieta que só Freud poderia ter explicado e que o candidato a político resolve como pode. E como lhe é permitido!
Eu não condeno o Portas, ao abrigo da liberade de expressão pode dizer o que lhe apetecer. O que eu condeno é todo um sistema que permite que um canal televisivo responsável por dar informação a um país inteiro, divulgue as bacoradas que este senhor cheio de si próprio tem o desplante de emitir publicamente, convencido que as suas ridículas afirmações são as que mais importam. E ainda lhe pagam para isso! E que o ponham no ar, inchado, cheio de si a estender o guardanapo que o próprio decor do programa evoca e que mais se assemelha com um rolo de casa de banho desenrolado, apropriado à sujidade das suas afirmações. E que afinal todos saibam que este Estado da Arte se destina em última análise a promover a figura e a relançá-lo nos meandros da política nacional, vulgo a “fazer-lhe a cama” para voltar ao poder. Maquiavélico, se não fosse tão saloiamente evidente. E eu que julgava que era o senhor que pagava à Sic para lhe darem tempo de antena para lá ir dizer as suas postas! Podem limpar as mãos à parede com O Estado da Arte!

terça-feira, maio 30, 2006

Retratos de Trabalho dos Pais avaliando os docentes

Confap satisfeita com ideia de pais também avaliarem docentes

«Congratulamo-nos obviamente com esta proposta do Ministério da Educação, mas queremos ir mais além. Deve também ser dada aos pais ou aos seus representantes a possibilidade de avaliar os programas e o seu cumprimento por parte dos professores», disse à agência Lusa a presidente da Confap, Maria José Viseu.

«Como pais, sabemos perfeitamente quais são os professores que gostam dos nossos filhos», explicou.

Diário Digital / Lusa 29-05-2006

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Eis mais uma brilhante ideia da Ministra da Educação para pôr os pais contra os professores e os professores contra os pais. Esta tem sido aliás uma das mais recorrentes políticas do actual ministério -- mandar bujardas destas para os media divulgarem e pôr tudo ao barulho. Depois, quando já está tudo a berrar vêm então dizer que afinal não é bem assim, que ainda está em estudo, que isto e que aquilo...
Realmente esta é de cabo de esquadra! Então os professores andam não sei quantos anos a estudar para serem professores, têm durante vários anos uma vida de saltimbancos pelas escolas mais recônditas do país com a trouxa às costas até se vincularem a uma escola e agora ainda chegam ao ponto de estarem sujeitos a que sejam os pais a avaliarem o seu trabalho profissional? Será que quem emite estas bacoradas lá de cima dos ministérios alguma vez foi à escola buscar os seus filhos? Será que conhece o nível médio de ignorância em relação a todos os assuntos da grande maioria de paizinhos que comentam à porta das escolas, enquanto esperam os petizes, a telenovela, o beijo da Teresa Guilherme, o comovente regresso do Rui Costa ao Benfica e as peripécias da última peregrinação a Fátima? Se é verdade que há pais interessados em acompanhar o trabalho que os seus filhos desenvolvem na escola, são infelizmente ainda uma minoria, uma élite informada e com estudos suficientes para detectar se os seus filhos estão ou não a ser bem ensinados nas escolas -- e mesmo esses às vezes, por amor aos petizes, são tendenciosos e não querem admitir que o mal não está só na sala de aula e no professor, mas na falta de tempo e de atenção que os próprios dedicam aos filhos.
O grau de ignorância é tão assustador quanto as palavras da própria presidente da Confap:

«Como pais, sabemos perfeitamente quais são os professores que gostam dos nossos filhos»

Como se o ensino de qualidade fosse uma questão de os professores gostarem ou não dos nossos filhos. Esta frase, por si só e vinda de onde vem, é reveladora da subjectividade que um tal tipo de avaliação poderia vir a causar: uma avaliação ignorante, baseada em critérios de gosto, de amizades e de inemizades, um autêntico absurdo que só vem a comprovar que a Ministra da Educação a continuar a atirar cá para fora com ideias destas precisa, ela sim, de ser avaliada!



Portugal -- disneylândia da agiotagem institucionalizada, vulgo "banca"


Lucros do Banco Popular crescem 21% em Portugal (durante o primeiro trimestre de 2006)

O resultado consolidado do Banco Popular no primeiro trimestre de 2006 foi de 14,186 milhões de euros em Portugal, contra 11,746 milhões no período homólogo do ano passado, anunciou o grupo espanhol em comunicado à CMVM.

O resultado consolidado do Banco Popular no primeiro trimestre de 2006 foi de 14,186 milhões de euros em Portugal, contra 11,746 milhões no período homólogo do ano passado, anunciou o grupo espanhol em comunicado à CMVM.

Em Portugal o crescimento foi assim de 20,8%, superando o aumento de 15,1% - para 245,5 milhões de euros – registado em Espanha. (in Jornal de Negócios)
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Ora aqui está um negócio lucrativo. Para os bancos definitivamente não há crise. Dantes este negócio chamava-se agiotagem e era condenável. Agora chama-se “negócio da banca” e cada vez se revela mais lucrativo. Nós, os consumidores, temos os bens. Eles, os bancos têm o dinheiro, dão-nos uma coisa fictícia chamada crédito e nós adquirimos mais bens, pois estes são mais “palpáveis” do que todo o crédito e ficamos eternamente a dever-lhes os nossos ordenados mais um dinheiro que não temos a que chamam juro. Portugal é hoje uma disneylândia bancária. Nisto é que nós somos bons, a metermo-nos em dívidas, somos aliás dos melhores. Aqui anda tudo teso, tudo em crise e, no entanto, por ironia do destino, somos bons clientes desse negócio da banca. Cada vez nos endividamos mais, cada vez os lucros da banca são mais promissores, cada vez vale mais investir nesta agiotagem que é Portugal a entristecer. Eles são os agiotas institucionalizados, nós somos os idiotas endividados. Só não somos de todo idiotas porque vivemos muito além das nossas possibilidades, pensas tu. Não estará mal pensado, mas só enquanto eles quiserem jogar esse jogo do deve e toma lá mais para pagares o que deves e para deveres sempre e ainda mais do que lhes continuas a dever e a pagar sempre, e cada vez mais. Pedes-lhes mais, também queres ter tudo como os tipos dos anúncios. Só não és tão idiota porque conseguiste passar por esta vidinha sem deixares de ser um dos poucos privilegiados neste mundo que assistirá ao mundial num sistema plasma xpto topo de gama que poderá dar aos teus olhos a possibilidade de veres em grande Portugal a ser campeão mundial de futebol. És português, tudo vale afinal o preço da tua felicidade. E se Portugal não for campeão, vai doer-te mais a pagar?

segunda-feira, maio 29, 2006

Natural Mente

Para quem gosta de saber mais sobre Saúde Natural e Medicinas Alternativas, eis um blog acabadinho de inaugurar por uma amiga muito simpática que mostra bem ter o dom de tornar estes ensinamentos acessíveis a todos


A minha última visita ao Centro Médico de Algés

Fiquei logo a saber que “de hoje a oito dias” dito por uma funcionária aparentemente competente pode não significar ter uma consulta marcada para a quinta-feira seguinte. Na verdade assim que cheguei ao guiché e vi quem lá estava desta vez a atender ao público eu soube que iam aparecer dificuldades. Há anos que assim é: uma funcionária que parece estar ali não para resolver problemas mas sim para os criar, conhecem o estilo?No computador a minha consulta tinha sido “ontem”, daí que os “oito dias” não fossem exactamente oito, mas sete. Se não podia ter consulta, ao menos poderia apenas mostrar ao médico os resultados das análises que ele passou à minha filha, que apresentavam alguns valores diferentes dos normais? Ligou para o médico e disse que eu tinha faltado ontem à consulta e queria consulta hoje. Não foi isso que lhe pedi para pedir ao médico, insisti. Claro que ele disse logo que não. Nem a funcionária nem a chefe que veio depois, a qual joga na mesma selecção da velha guarda, deram mostras de perceber o que eu queria, embora me exprimisse claramente. Foi de tal forma que eu por fim disse para o senhor do lado em voz alta: ainda bem que logo vai haver Assembleia Municipal para se discutir o centro médico: vai andar tudo aos saltos. Palavras mágicas: a funcionária pegou nos papéis, levantou-se e foi falar com o médico. Voltou e sem nada me explicar cobrou o dinheiro da consulta e passou-me a guia para as mãos. Parecia o mercado negro!
O médico de recurso recorrentemente parece não ter muito tempo para ouvir de que se queixa quem lá vai. É o chinês mais apressado que já conheci. Levou mais tempo a balburciar a sua opinião sobre Osteopatas: não são médicos, são “endireitas”; fico sempre de pé atrás com um médico cheio de pre-conceitos que não mostra curiosidade por aprender alguma coisa com as medicinas alternativas, e ainda para mais chinês! Tira-lhe logo a aura de cientista, investigador, estudiosos que os médicos deviam ter; tira-lhe logo a aura de místico possuidor ancestral ensinamento que os chineses costumam ter. Quanto à medição óssea que lhe pedi para fazer perguntou-me se já tinha a menopausa e, como não, não quis passar o exame, o que é um absurdo no que diz respeito aos princípios da medicina preventiva. Um TAC à coluna vertebral -- mesmo e apesar de ter passado 3 comprimidos diários para as dores na coluna e mais uma pomada anti-inflamatória -- também era coisa inacessível, pois só com a autorização do director – o qual afinal parece estar mais disponível para atestar cartas de médicos de família que desistem dos seus doentes, deixando-os e à família em situação de doentes de recurso, sem médico de família! E isto porque reclamaram de um serviço mal prestado, de uma informação mal dada pelas funcionárias da secretaria. Que importa a uma médica dessas que uma criança desse agregado tenha asma alérgica e precise frequentemente de cuidados médicos? É que isto já é um processo que se vem há muito arrastando, praticamente desde sempre. Só a parte da enfermagem vai funcionando decentemente e é porque é mais autónoma em relação à secretaria, que só cria conflitos pela falta de bom senso das funcionárias que ali insistem em manter, apesar da diariamente comprovada falta de competência profissional, umas verdadeiras antas que ali estão há anos e anos. Tudo isto é a parte que ninguém parece reclamar, embora até haja mesmo histórias de episódios de agressão às ditas funcionárias e olhem que não me admiro mesmo nada. Porque toda a gente está mais empenhada em que se resolva um outro problema de há muitos anos : as instalações degradadas, sem condições mínimas para deficientes etc. etc. e as sucessivas promessas para a construção de um novo centro médico que nenhum dos autarcas até hoje cumpriu e que Isaltino Morais prometeu -- mas que tem fugido também a esta promessa e de uma forma vergonhosa: por não comparência nas assembleias extraordinárias onde foi convidado a participar. Enfim, eis alguns dos lados que uma questão urgente. Eis alguns dos podres do nosso sistema de Saúde Pública.
Pode ser que com a construção de um edifício novo os procedimentos se venham também eles a renovar. Mas será que podemos esperar que isso aconteça?

sábado, maio 27, 2006

Bancarrota blues

Bancarrota blues
Edu Lobo - Chico Buarque/1985
Para a peça O corsário do rei de Augusto Boal

Uma fazenda
Com casarão
Imensa varanda
Dá jerimum
Dá muito mamão
Pé de jacarandá
Eu posso vender
Quanto você dá?

Algum mosquito
Chapéu de sol
Bastante água fresca
Tem surubim
Tem isca pra anzol
Mas nem tem que pescar
Eu posso vender
Quanto quer pagar?

O que eu tenho
Eu devo a Deus
Meu chão, meu céu, meu mar
Os olhos do meu bem
E os filhos meus
Se alguém pensa que vai levar
Eu posso venderQuanto vai pagar?

Os diamantes rolam no chão
O ouro é poeira
Muita mulher pra passar sabão
Papoula pra cheirar
Eu posso vender
Quando vai pagar?

Negros quimbundos
Pra variar
Diversos açoites
Doces lundus
Pra nhonhô sonhar
À sombra dos oitis
Eu posso vender
Que é que você diz?

Sou feliz
E devo a Deus
Meu éden tropical
Orgulho dos meus pais
E dos filhos meus
Ninguém me tira nem por mal
Mas posso vender
Deixe algum sinal


1984 © - Marola Edições Musicais Ltda.

sexta-feira, maio 26, 2006

Pedimos desculpa por esta interrupção...

Os Comentários deste blog estiveram indevidamente bloqueados à vossa participação porque eu sou muito naba nisto e não me apercebi do que estava a acontecer. Andei por mim cabisbaixa sem saber por que já não comentavam o Pafuncio. Ninguém gosta do Pafuncio -- pensei em mudar-lhe o nome, enxertei-o em Vacakri, disse vezes sem conta que ia desistir. Entretanto dava por mim ansiosamente ver o Traker à procura das vossas visitas e, de facto alguns -- poucos mas bons -- tinham de facto passado por lá. Mas nem uma palavra, nem um comentário vosso...
Eis que se fez luz. Os comentários estavam mal definidos, ninguém conseguia comentar, mesmo se quisesse!
O mal-entendido fica aqui desfeito.
Aqui no Pafuncio todas as vossas opiniões serão bem acolhidas, quer as rejeitadas quer as partilhadas.

Eureca: O livro!


Isaac Asimov dissera mais ou menos isto:

«Temos de encontrar uma forma de comunicação que substitua essa coisa arcaica que é o livro; um modo de comunicação rápido, manejável, portátil, biodegradável, que não consuma energia, com o formato que quisermos. Pois bem, já temos: é o livro!» (Expresso, 8/7/95).

Em 1978, Borges começou assim uma palestra na Universidade de Belgrano:

«Dos diversos instrumentos do homem, o mais assombroso é, indubitavelmente, o livro. Os outros são extensões do seu corpo. O microscópio e o telescópio são extensões da vista; o telefone é o prolongamento da voz; seguem-se o arado e a espada, extensões do seu braço. Mas o livro é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.» («Borges Oral», «Obras Completas», vol. IV, Teorema, 1999)

quinta-feira, maio 25, 2006

Pensamento da Noite

"Apenas uma guerra é permitida à espécie humana: a guerra contra a extinção."
(Isaac Asimov)

O Novo Zé Povinho ainda não se cumpriu, ó Sergei!

terça-feira, maio 23, 2006

Terapia I

... Se a noite
não tem fundo
O mar perde
o valor
Opaco é o fim
do mundo
Pra qualquer
navegador...
(Chico Buarque)

Gente humilde

Pátio do Carrasco

Gente humilde

Garoto - Vinicius de Moraes - Chico Buarque/1969

Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar

São casas simples

Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar


segunda-feira, maio 22, 2006

Balanço do 1º. Dia de Luto Nacional

Não se deu por nada. Nem nas janelas, nem nas pessoas, nada. Nas janelas apenas as bandeiras de Portugal já começam a aparecer. Nas pessoas, as roupas coloridas e descapotáveis da Primavera-Verão. Todos felizes, todos contentes, sem nada do que reclamar. Apenas a confirmação que ninguém se preocupa absolutamente nada com o estado da nação, com as políticas e as leis, com as perdas de direitos que levaram décadas de luta a conquistar, levados, levados sim! Nada disso nos move, nem nos comove. Só mesmo a proximidade do Mundial de Futebol, só mesmo Fátima para fazerem o milagre da união, e o nosso fado converteu-se no Rock in Rio. Não me surpreendi. Fiz a minha parte e estarei sempre pronta a fazer a minha parte. Amanhã, em vez da bandeira de Portugal, voltarei a pôr uma boina preta à janela e sairei à rua vestida de preto. Provavelmente ninguém vai reparar porque gosto de me vestir de preto. Fica a prova de que não é com cravos, nem com lutos que se muda o destino deste país. Só mesmo com veneno se apanham moscas.

Blog em Protesto -- LUTO NACIONAL

Vamos usar uma coisa preta seja lá onde for!

domingo, maio 21, 2006

Crise do PETROLEUM I

Carta a meus filhos

Francisco Goya, Spain
Los Fusilamentos del 3 de mayo en Madrid, 1814
oil on canvas
266 X 345cm
Poema de Jorge de Sena dito por Mário Viegas aqui.

Múmia de Boliqueime quando deixar cair a máscara de benemérito

quinta-feira, maio 18, 2006

Fábula Muito Actual

A FORMIGA, O MARIMBONDO e OUTROS BICHOS

Todos os dias, a formiga chegava cedinho ao escritório e pegava duro no trabalho. Era produtiva e feliz.
O gerente marimbondo estranhou a formiga trabalhar sem supervisão. Se ela era produtiva sem supervisão, seria ainda mais se fosse supervisionada. E colocou uma barata, que preparava belíssimos relatórios e tinha muita experiência, como supervisora. A primeira preocupação da barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída da formiga. Logo, a barata precisou de uma secretária para ajudar a preparar os relatórios e contratou também uma aranha para organizar os arquivos e controlar as ligações telefônicas.
O marimbondo ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com indicadores e análise das tendências que eram mostradas em reuniões. A barata, então, contratou uma mosca, e comprou um computador com impressora colorida.
Logo, a formiga produtiva e feliz, começou a se lamentar de toda aquela movimentação de papéis e reuniões! O marimbondo concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga produtiva e feliz, trabalhava. O cargo foi dado a uma cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial. A nova gestora cigarra logo precisou de um computador e de uma assistente (sua assistente na empresa anterior) para ajudá-la a preparar um plano estratégico de melhorias e um controle do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava mais e cada dia se tornava mais chateada.
A cigarra, então, convenceu o gerente marimbondo, que era preciso fazer um estudo de clima. Mas, o marimbondo, ao rever as cifras, se deu conta de que a unidade na qual a formiga trabalhava já não rendia como antes e contratou a coruja, uma prestigiada consultora, muito famosa, para que fizesse um diagnóstico da situação. A coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um volumoso relatório, com vários volumes que concluía: "há muita gente nesta empresa".
E adivinha quem o marimbondo mandou demitir? A formiga, claro, porque ela andava muito desmotivada e aborrecida.
(Recebida por mail)

Retratos de Trabalho das Secretas e dos Echelons

Porquê o Luto Nacional? Porquê a Luta Nacional?

Olá amigos. Vamos lá a ver se nos entendemos com isto dos dias de luto nacional que aí vêm. É que o boato anda por aí a minar tudo. Já ninguém sabe quem lançou a campanha se os de extrema direita, se os de extrema esquerda, se os extremamente na merda com isto tudo. Enquadro-me nos últimos e, a última coisa que me lembraria era de fazer desse luto uma bandeira partidária. Quantos mais reagirem a essas políticas que para aí andam a ser postas em prática pela direita "socialista" (com a crise das ideologias, chegámos a este paradoxo!) ou pela outras políticas na oposição reçaivadas de não serem elas a lá estar e a fazer essas mesmas políticas. Uma luta pelo poleiro, nítida.

E tenho a certeza que estes dias de luto, se forem levados a sério, ou seja, se a disser a b, que disser a c, que disser a efg e h que se vão vestir de preto isto até pode ir para a frente e serve para mostrar que isto tudo nos cheira tudo muito mal. Se a proposta de um luto nacional, no meio da imanescente tesão nacionalista para incentivar o povo ao aturdimento do Mundial, for adiante, que seja para mostrar aos políticos que isto está mesmo uma choldra e que a malta está mesmo fartinha deles e de ver as Leis a não ser aplicadas com Justiça, nem sem Justiça: a não ver simplesmente as leis a serem aplicadas -- porque se fossem já muitos dos que vamos contestar neste luto estariam atrás das grades e o défict mais suportável de pagar. Pelo contrário, sabemos que eles estão por aí ocupando cargos, e que o desemprego é cada vez maior e cada investimento no desenvolvimento do nosso país é um tiro no pé e vão todos investir em Angola onde a mama é um oásis. O país é o que menos importa a essa gente. Entretanto o portuga já vai sendo avisado que nos próximos 50 anos estaremos a reboque de uma Europa a reboque numa globalização desenfreada que absorve e esgota os recursos mundiais e que nós no meio disso somos de somenos importância. Ninguém está realmente muito interessado em salvar o planeta e o país é o que menos importa a essa gente. As pessoas importam-lhes ainda menos. Querem apenas saber de números, se o seu objectivo é atingido doa a quem doer, se o seu lucro cresce e os nossos salários se desvalorizam cada dia que passa e quantos de nós mesmo assim vão depois votar neles. Esse desnível premeditado das políticas economicistas neo-liberais, da direita "socialista" e das direitas direitistas que estão numa oposição chocha e ressentida sem ter o contra que lutar das afinal para eles "boas" medidas do Governo. Esses podem de facto se aproveitar desta campanha e sair à rua de pantufas pretas. Será contra si próprios que vão de luto, convencidos que é contra os outros. Serão eles os enganados. Se não queres ser identificado com gente dessa, arranja uma ideia para te descartar desse possível naipe viciado. Se quem nesse dia sair à rua de preto disser na rua aos outros qual o motivo por que o faz, tudo se há-de esclarecer. Que me importa que haja infiltrados e aproveitadores que se vestirão de preto para gerar a confusão, se a grande massa forem os descontentes que tiram esses dias para dizer uns aos outros o que já dizem em família?

quarta-feira, maio 17, 2006

Citação da noite

A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim como também o espírito de uma época sem espírito. Ela é o ópio do povo. (Karl Marx)

Carrega-se demais o burro, o burro arreia!

Ora pro Nobis Vinícios

II

Cordis sinistra
— Ora pro nobis
Tabis dorsalis
— Ora pro nobis
Marasmus phthisis
— Ora pro nobis
Delirium tremens
— Ora pro nobis
Fluxus cruentum
— Ora pro nobis
Apoplexia parva
— Ora pro nobis
Lues venérea
— Ora pro nobis
Entesia tetanus
— Ora pro nobis
Saltus viti
— Ora pro nobis
Astralis sideratus
— Ora pro nobis
Morbus attonitus
— Ora pro nobis
Mama universalis
— Ora pro nobis
Cholera morbus
— Ora pro nobis
Vomitus cruentus
— Ora pro nobis
Empresma carditis
— Ora pro nobis
Fellis suffusio
— Ora pro nobis
Phallorrhoea virulenta
— Ora pro nobis
Gutta serena
— Ora pro nobis
Angina canina
— Ora pro nobis
Lepra leontina
— Ora pro nobis
Lupus vorax
— Ora pro nobis
Tônus trismus
— Ora pro nobis
Angina pectoria
— Ora pro nobis
Et libera nobis omnia Câncer

— Amém.

Vale a pena ler o poema completo Sob o Trópico do Câncer de Vinícios de Morais em Releituras

terça-feira, maio 16, 2006

Europa Favela

Truque Tóxico -- Al Berto


Volto ao quarto de pensão, fumo até ao vómito
isto é : drogo-me.........
abro a caixa de papelão, aparentemente cheia de sonhos
escolho um, fumo mais erva, nenhum sonho me serve,
abro a caixa dos pesadelos.....
o silencio ocupa-me e da caixa libertam-se corpos
cores violentas, olhares cúbicos, pássaros filiformes
cadeiras agressivas
limo as arestas fibrosas dos objectos
arrumo-os pelo quarto, de preferencia nos cantos
dou-lhes novos nomes, novas funções, suspiro extenuado
embora a sonolenta tarefa não tenha sido demorada


....outra caixa, azulada, abro-a
entro nela e fecho-a, o escuro solidifica-se na boca
tenho medo durante a noite
alguém se lembrou de atirar fora a caixa
..........luzes, umbigos obscurecidos pelas etiquetas
dos pequenos produtos de consumo, tóxicos

FRAGIL - MANTER ESTE LADO PARA CIMA
NÃO INCLINAR
TIME TO BUY ANOTHER PACKET

O quarto está completamente mobilado de corpos
explodem caixas, o sangue alastra
estampa-se nas paredes sujas de calendários e cromos
de pin-ups obscenas.
...fendas de bolor no espelho
o reflexo do corpo arde como uma decalcomania

TIME TO BUY ANOTHER PACKET

todos dormem dentro de caixas, uma serpente flutua
falamos baixinho
não se ouvem mais barulhos de cidade
o sono e o cansaço subiram-me á boca
....movemo-nos lentamente para fora de nossos corpos
e devastamos, devastamos.....

segunda-feira, maio 15, 2006

Lei de Lavoisier adaptada ao mundo moderno

Na natureza humana nada se cria nada se perde, tudo se vende.

Salvemos as crianças do estado de depravação em que o mundo se encontra!

Tautologias


XXXV

O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.

Mas para mim, que não sei o que penso,
O que o luar através dos altos ramos
É, além de ser
O luar através dos altos ramos,

É não ser mais
Que o luar através dos altos ramos.

Alberto Caeiro «O Guardador de Rebanhos»

Por causa do Ambiente


Tenho uma filha com 9 anos que me disse um dia destes que cada vez tem mais medo do mar. Perguntei-lhe porquê e ela falou-me de um pesadelo que teve com ondas enormes e o oceano invadindo a terra. O sonho teve várias repetições da mesma cena ou foi um sonho recorrente, não cheguei a perceber bem. Umas vezes acabou pior que outras. Entretanto hoje enquanto estudava Estudo do Meio, ela mostrou-se preocupada com o buraco do Ozono, com a possibilidade dos glaciares derreterem e, claro lá voltaram as perguntas ansiosas se isso podia fazer com que o mar invadisse a terra e todos morrêssemos.
Tenho pensado muitas vezes que hoje em dia já não há ideologias por que lutar. Se alguém insiste em afirmar que ter uma ideologia é urgente e necessário no mundo actual, essa pessoa é logo considerada um sonhador (no mau sentido), uma pessoa desfasada da realidade, que não se enquadra nem se integra, que vive com a cabeça na lua. Estas impressões, aliadas ao facto de que esse tipo de gente normalmente não está bem colocada na vida, não tem um carácter prático, não se meteu num negócio rentável, não fez do lucro e do dinheiro os seus maiores objectivo, não tem perfil de oportunista e vive a trabalhar para poder viver, tudo isto faz com que essa pessoa seja considerada pouco ambiciosa e sem sentido da realidade. Nem quis o cartão de crédito que lhe ofereciam de mão beijada… Sofre apenas as consequências e já não é pouco. Mesmo que insista em acreditar numa causa, os outros não se juntam a ela, desacreditam-no, fazem-lhe ver que a realidade do dinheiro é mais forte que qualquer causa. Continua então apenas a desenrascar-se para continuar vivo, o que já lhe ocupa todo o tempo. Não acredita em governantes, nem em políticos, nem em economistas, nem nos jornais. Acredita apenas que ele, pelo menos, está vivo. Mas sabe que um mundo melhor seria possível se as coisas não fossem como são. Não encontra uma ideologia adequada em que acreditar. Segue para a frente, como o resto, mas infeliz.
Muito bem mas -- e a questão ambiental? Não deveria ser esta a grande causa para contrapor à crise em que as ideologias se encontram? Não deveria ser este o grande motivo, a grande motivação pela qual a Humanidade se devia bater contra os poderes estabelecidos. Estaremos realmente a ver os sinais? Todos os que conscientemente assistem e, pior, contribuem para que o futuro do planeta seja cada vez menos possível estarão a ser eles os realistas vendo que caminham para o precipício e dando sempre mais um passo na sua direcção?
Os sinais são cada vez mais visíveis. As nossas crianças – as que dispõem de informação – mostram hoje mais consciência dos problemas ambientais do que toda a comunidade científica deixa transparecer. Por que motivo a comunidade científica, que sabe dos factos, como relacioná-los, como prever o futuro a partir dos dados do presente, medir as consequências de cada desastre, por que motivo não vem publicamente avisar os governos do perigo de manter economias cujo plano é continuar a abusar dos recursos e a fugir para a frente na mira de maiores lucros. Os governos deviam estar a pagar à comunidade científica para fazer esses estudos e tomar as suas decisões só então e a partir deles. Gerindo os recursos racionalmente e não permitindo o mero saque lucrativo, os governos, caso permanecessem honestos uns e outros, contariam com a Lei e a Justiça para não permitir abusos. Toda a corrupção teria que ser evitada ou punida. Haveria certamente uma desaceleração em todo este processo em que nos vemos metidos.
Há muitos anos que tenho a convicção de que é preciso desacelerar, travar o processo, analisar os danos provocados e recomeçar, gerindo os recursos de modo diferente. Como se, chegados ao fim de uma era, tivéssemos que, ainda sobreviventes animais inteligentes que somos, fazer um balanço, reorganizar o mundo, reestruturá-lo, detectar-lhe os erros – e, como se disso dependesse o futuro da Humanidade, viéssemos por meio da nossa causa exigir aos governos mundiais que os nossos filhos e os seus netos, a nossa geração, tenham afinal direito a existir e a acreditar que o mundo se pode tornar num lugar melhor para os seus filhos, para os seus netos…
A Humanidade somos nós todos e os que hão-de continuá-la. Como saber do curso da destruição que o ser humano está a impor ao planeta e continuar neste ritmo de devastação, mediante hipócritas possibilidades de pagamentos de tributos para pagar a destruição causada – impagável! -- como acontece com o negócio de Kioto, tomado apenas como o melhor dos piores exemplos. Tudo se resume afinal a uma questão de preço, não de consciência. Como saber e permitir?
Todos, jovens e menos jovens deviam sair para as ruas a lutar por esta causa. O ambiente é a mais urgente causa pela qual todos devemos hoje lutar. Assistirmos ao processo para a extinção do planeta, por via da informação a que hoje temos acesso, que aponta para a sua aceleração, torna essa a mais urgente das causas a agarrar se acreditarmos que ainda é possível pelo menos tentar desacelerar o processo, se acreditarmos ainda na possibilidade do planeta ter futuro.
Sabemos que a natureza é capaz de resistir e se regenerar. E a natureza humana?

domingo, maio 14, 2006

O Pafúncio em estado de graça


O Pafúncio fez uma Opa ao blog A Vacakri que, como bom animal doméstico que é, passa a partir de hoje a dar aqui as suas marradas.

Ontem e hoje... o país real


Procissão – António Lopes Ribeiro/João Villaret

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.


Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.


Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.


Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.


Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!


Ai, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!


Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.


Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!


Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!


Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão.

sábado, maio 13, 2006

Não és a mesma visão

Não És Tu -- Almeida Garrett

Era assim, tinha esse olhar,
A mesma graça, o mesmo ar,
Corava da mesma cor,
Aquela visão que eu vi
Quando eu sonhava de amor,
Quando em sonhos me perdi.

Toda assim; o porte altivo,
O semblante pensativo,
E uma suave tristeza
Que por toda ela descia
Como um véu que lhe envolvia,
Que lhe adoçava a beleza.

Era assim; o seu falar,
Ingénuo e quase vulgar,
Tinha o poder da razão
Que penetra, não seduz;
Não era fogo, era luz
Que mandava ao coração.

Nos olhos tinha esse lume,
No seio o mesmo perfume,
Um cheiro de rosas celestes,
Rosas brancas, puras, finas,
Viçosas como boninas,
Singelas sem ser agrestes.

Mas não és tu… ai! não és:
Toda a ilusão se desfez.
Não és aquela que eu vi,
Não és a mesma visão,
Que essa tinha coração,
Tinha, que eu bem lho senti.

ManuSutra

sexta-feira, maio 12, 2006

Os Jogadores de Xadrez -- Ricardo Reis

Os Jogadores de Xadrez --

Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na Cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.

À sombra de ampla árvore fitavam

O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.

Ardiam casas, saqueadas eram

As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas...
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.

Inda que nas mensagens do ermo vento

Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram

Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Breve seus olhos calmos
Volviam sua atenta confiança
Ao tabuleiro velho.

Quando o rei de marfim está em perigo,

Que importa a carne e o osso
Das irmãs e das mães e das crianças?
Quando a torre não cobre
A retirada da rainha branca,
O saque pouco importa.
E quando a mão confiada leva o xeque
Ao rei do adversário,
Pouco pesa na alma que lá longe
Estejam morrendo filhos.

Mesmo que, de repente, sobre o muro

Surja a sanhuda face
Dum guerreiro invasor, e breve deva
Em sangue ali cair
O jogador solene de xadrez,
O momento antes desse
(É ainda dado ao cálculo dum lance
Pra a efeito horas depois)
É ainda entregue ao jogo predileto
Dos grandes indif'rentes.

Caiam cidades, sofram povos, cesse

A liberdade e a vida.
Os haveres tranqüilos e avitos
Ardem e que se arranquem,
Mas quando a guerra os jogos interrompa,
Esteja o rei sem xeque,
E o de marfim peão mais avançado
Pronto a comprar a torre.

Meus irmãos em amarmos Epicuro

E o entendermos mais
De acordo com nós-próprios que com ele,
Aprendamos na história
Dos calmos jogadores de xadrez
Como passar a vida.

Tudo o que é sério pouco nos importe,

O grave pouco pese,
O natural impulso dos instintos
Que ceda ao inútil gozo
(Sob a sombra tranqüila do arvoredo)
De jogar um bom jogo.

O que levamos desta vida inútil

Tanto vale se é
A glória, a fama, o amor, a ciência, a vida,
Como se fosse apenas
A memória de um jogo bem jogado
E uma partida ganha
A um jogador melhor.

A glória pesa como um fardo rico,

A fama como a febre,
O amor cansa, porque é a sério e busca,
A ciência nunca encontra,
E a vida passa e dói porque o conhece...
O jogo do xadrez
Prende a alma toda, mas, perdido, pouco
Pesa, pois não é nada.

Ah! sob as sombras que sem qu'rer nos amam,

Com um púcaro de vinho
Ao lado, e atentos só à inútil faina
Do jogo do xadrez
Mesmo que o jogo seja apenas sonho
E não haja parceiro,
Imitemos os persas desta história,
E, enquanto lá fora,
Ou perto ou longe, a guerra e a pátria e a vida
Chamam por nós, deixemos
Que em vão nos chamem, cada um de nós
Sob as sombras amigas
Sonhando, ele os parceiros, e o xadrez
A sua indiferença.

1-6-1916

quinta-feira, maio 11, 2006

Meu Sant'antoninho

(José Mário Branco) Meu sant´antoninho
Onde te hei-de pôr
Deixa-me limpar o pó
Meu sant´antoninho
Dou-te o meu amor
Com chazinho e pão-de-ló
Deixa a vovó apertar o nó [bis]
Pra voar mais vale ter uma na mão
E um cheirinho a naftalina no salão
E a filha do juiz
Põe pozinho no nariz
E sapatos de verniz
Pra ir à comunhão
Meu sant´antoninho
Onde te hei-de pôr
Fica do lado de cá
Meu sant´antoninho
Meu senhor doutor
Assina-me um alvará
Com a caneta do teu papá [bis]
Foi a guerra que me deu a ilusão
De subir quando caí no alçapão
E a madrinha do polícia
Pisca o lho com malícia
Pra tentar canonizar
Os pretos do japão
Meu sant´antoninho
Onde te hei-de pôr
Para me lembrar de ti
Meu sant´antoninho
Dá-me o teu tambor
E um lencinho de organdi
E uma medalha para pôr aqui [bis]
Eu a pôr flores de papel no teu jarrão
E o comboio a apitar na estação
Já não o posso apanhar
Fico aqui a descansar
Meditando no mistério
Da incarnação

quarta-feira, maio 10, 2006

Pensamento da Noite

“ Quem dera que eu não vivesse no meio dos homens
Da quinta raça, que morresse antes, ou vivesse depois!
Agora é a raça de ferro. Nem cessam, de dia,
De ter trabalhos e aflições, nem, de noite, de serem consumidos,
Pelos duros cuidados que lhes oferecem os deuses.
Mas no entanto algum bem será misturado aos seus males.
Zeus aniquilará também esta raça de homens dotados de voz.
Quando eles, ao nascer, tiverem as fontes grisalhas.
Então o pai não será igual aos filhos, nem estes a ele,
Nem o hóspede ao hospedeiro, o amigo ao amigo,
Não haverá amor entre irmãos, como era antigamente.
Aos pais, logo que envelheçam, eles os desonrarão.
Insultá-lo-ão com palavras duras,
Malvados, que nem conhecem o castigo divino!
E aos pais já idosos não oferecerão alimento.
Não mais terá valor um juramento, a justiça,
Ou o bem; honrarão antes o criminoso e o insolente.
A justiça será a violência, e a vergonha, não existirá.
O mau há-de prejudicar o que é melhor do que ele,
Atirando-lhe palavras tortuosas, e jurando sobre elas.
A inveja maledicente, que goza com o mal alheio, de sestro olhar,
Seguirá atrás de todos os miserandos humanos.
E então, abandonando os homens, ocultando o belo corpo
em brancos véus, sairão da terra de vastos caminhos,
para o Olimpo, para junto da raça dos imortais,
a Vergonha e a Justiça. O triste sofrimento aos mortais
será deixado. Contra o mal, não mais terão remédio.”


(Hesíodo, poeta grego (séc. VIII-VII a. C.): O Mito das Idades in Trabalhos e Dias)

Hesíodo. A Idade de Ferro. Que idade é a nossa?

Apesar do processo de “desvalorização”preconizado por Hesíodo na sucessão de eras do Mito das Idades (Ouro, Prata, Bronze, Ferro), parece ainda assim acreditar-se, como se a esperança fosse a última a morrer, na possibilidade do devir de outra idade melhor – “Da quinta raça, que morresse antes, ou vivesse depois!"

No entanto prossegue a imaginar e a descrever com será a idade futura, quando a Vergonha e a Justiça abandonarem definitivamente os mortais, pintando um quadro negro de decadência e a mais absoluta inversão das relações humanas, negando toda a possibilidade ao ser humano de se salvar.

E a nossa que idade é? Como lhe chamar?

terça-feira, maio 09, 2006

Querida Europa...

Foi por ela (Fausto, Para Além das Cordilheiras)

foi por ela que amanhã me vou embora
ontem mesmo hoje e sempre ainda agora
sempre o mesmo em frente ao mar também me
cansa
diz Madrid Paris Bruxelas quem me alcança
em Lisboa fica o Tejo a ver navios
dos rossios de guitarras à janela
foi por ela que eu já danço a valsa em pontas
que eu passei das minhas contas
foi por ela

foi por ela que me enfeito de agasalhos
em vez daquela manga curta colorida
se vais sair minha nação nos cabeçalhos
ainda a tiritar de frio acometida
mas o calor que era dantes também farta
e esvai-se o tropical sentido na lapela
foi por ela que eu vesti fato e gravata
que o sol até nem me faz falta
foi por ela

foi por ela que eu passo por coisas graves
e passei passando as passas dos algarves
com tanto santo milagreiro todo o ano
foi por milagre que eu até nasci profano
e venho assim como um tritão subindo os rios
que dão forma como um deus ao rosto dela
foi por ela que eu deixei de ser quem era
sem saber o que me espera
foi por ela
foi por ela que amanhã me vou embora...

segunda-feira, maio 08, 2006

O Primeiro Economista que Oiço...

João César das Neves – economista (in Revista Xis 06/05/2006):

“A pobreza corresponde sempre a uma questão estrutural que se resolve alterando o funcionamento da economia e ajudando directamente os mais necessitados.”

“O problema agrava-se quando, para dar demasiadas regalias a uns, se tiram as de outros tantos, que é o que está a acontecer com as nossas negociações salariais.”

“O desemprego é outro seríssimo problema, pois embora tenhamos uma taxa baixa, comparativamente com outros países ricos, existem demasiadas desigualdades em termos de condições laborais: muitos trabalhadores são contratados, com todas as regalias, desde sólidos contratos, direitos à segurança social, subsídios de desemprego, etc., e outros nada têm. Trabalham a prazo, com recibos verdes e, numa altura de crise, tornam-se facilmente dispensáveis.”

Não conhecia o economista João César das Neves mas parece ser o primeiro economista vivo a quem eu oiço dizer alguma coisa que faz sentido. É o primeiro que admite ser necessário alterar o funcionamento da economia, única forma possível de combater a pobreza. O primeiro que admite que acabar com a pobreza passa pela ajuda directa aos mais necessitados.
Quem o poderá fazer senão o Estado?

É o primeiro que diz que se tira regalias a uns para dar a outros. Só não concordo com a proporção se tiram as de outros tantos, porque, na realidade, tiram-se regalias a muitos para dar regalias a muito poucos – os happy few ricos que acabam sempre se dando bem e para quem toda a crise á sinal de maiores lucros.

Espanta-me o optimismo recente dos nossos dirigentes: o Ministro das Finanças e o próprio Sócrates assumiram uma fachada de optimistas espantadores dos fantasmas das estatísticas que apontam o nosso país como o que terá o pior futuro dos países da UE nos anos mais próximos, e ambos sacodem a sombra negra do desemprego a aumentar descontroladamente, atingindo níveis nunca antes vistos. Quem serão os economistas que consultam? A Maya? Os nossos dirigentes, ao serviço das directivas comunitárias, parecem afinal negar os números resultantes dos estudos realizados pela própria UE… Nenhum desses dados é credível? O governo de Portugal não acredita que as estatísticas possam estar certas? Então por que insistir em pertencer a uma UE que se engana na nossa factura?

Ao contrário deles, João César das Neves considera o desemprego um seríssimo problema, embora me pareça que menospreza a nossa taxa de desemprego e insista em nos considerar um país rico (somos um país rico, senhor economista? Então qual é o problema? É só um problema de má distribuição da riqueza?)

Na verdade este também me parece um problema grave, mas talvez por outros motivos. A classe trabalhadora está hoje dividida, posta uma parte contra a outra – a dos trabalhadores seguros e a dos trabalhadores precários; há ainda a incluir os ex-trabalhadores, os desempregados, os excluídos. O sistema dividiu para reinar, ou seja: não são os trabalhadores (poucos) que têm uma situação privilegiada que vão sair para as ruas em defesa dos direitos dos outros (muitos) que têm poucas regalias. Passa a não haver uma classe trabalhadora coesa, unida pelos direitos do trabalho conquistados durante muitos anos e que vão sendo retirados mais ou menos subtil ou sorrateiramente. É por isso que não há luta reivindicativa e os sindicatos pendem para cá e para lá bandeados com o sistema.

João César das Neves é o primeiro economista que quase tem a coragem de desmascarar por inteiro a impotência deste sistema económico, quase apontando o erro que comete em fugir para a frente.
A economia mundial actual está simples de compreender como um cartão de crédito: quanto mais a usarmos mais vamos pagar por ela no presente e no futuro.

O nosso crédito enquanto país está a chegar ao fim, diz-nos a UE. Por este andar todos nos vão passar à frente. E nós vamos cantando e rindo, levados por dirigentes que não levam nada disto a sério porque fazem parte dos tais happy few a quem a bomba nunca estoira nas mãos (julgam eles!).
ver também o post de Claudia Girelli «Estatísticas … “ Portugal na cauda da Europa”» em http://wehavekaosinthegarden.blogspot.com/, 09/05/2006

Pensamento da Noite

"Agir é construir, pedra a pedra, gota a gota de suor, e destruir com a rapidez das detonações espantosas."
(Teixeira de Pascoaes, Aforismos)

domingo, maio 07, 2006

Mother

Mother (Waters)

Mother do you think they'll drop the bomb?
Mother do you think they'll like this song?
Mother do you think they'll try to break my balls?
Mother should I build the wall?
Mother should I run for president?
Mother should I trust the government?
Mother will they put me in the firing line?
Mother am I really dying?

Hush now baby, baby, dont you cry.
Mother's gonna make all your nightmares come true.
Mother's gonna put all her fears into you.
Mother's gonna keep you right here under her wing.
She wont let you fly, but she might let you sing.
Mama will keep baby cozy and warm.
Ooooh baby ooooh baby oooooh baby,
Of course mama'll help to build the wall.

Mother do you think she's good enough -- to me?
Mother do you think she's dangerous -- to me?
Mother will she tear your little boy apart?
Mother will she break my heart?

Hush now baby, baby dont you cry.
Mama's gonna check out all your girlfriends for you.
Mama wont let anyone dirty get through.
Mama's gonna wait up until you get in.
Mama will always find out where you've been.
Mama's gonna keep baby healthy and clean.
Ooooh baby oooh baby oooh baby,
You'll always be baby to me.

Mother, did it need to be so high?

http://www.pink-floyd-lyrics.com/html/mother-wall-lyrics.html

Dia da Mãe

sábado, maio 06, 2006

Excuse Me Mr.

Excuse Me Mr.

Written by: Harper/Plunier

excuse me mr.
do you have the time
or are you so important
that it stands still for you

excuse me mr.
lend me your ear
or are you not only blind
but do you not hear

excuse me mr.
isn't that your oil in the sea
and the pollution in the air mr.
whose could that be

excuse me mr.
but i'm a mister too
and you're givin' mr. a bad name
mr. like you

so i'm taking the mr.
from out in front of your name
cause it's a mr. like you
that puts the rest of us to shame
it's a mr. like you
that puts the rest of us to shame

and i've seen enough to know
that i've seen too much

excuse me mr.
can't you see the children dying
you say that you can't help them
mr. you're not even trying

excuse me mr.
take a look around
mr. just look up
and you will see it's comin' down

excuse me mr.
but i'm a mister too
and you're givin' mr. a bad name
mr. like you

so i'm taking the mr.
from out in front of your name
cause it's a mr. like you
that puts the rest of us to shame
it's a mr. like you
that puts the rest of us to shame

and i've seen enough to know
that i've seen too much

so mr. when you're rattling
on heaven's gate
let me tell you mr.
by then it is too late

cause mr. when you get there
they don't ask how much you saved
all they'll want to know, mr.
is what you gave

excuse me mr.
but i'm a mister too
and you're givin' mr. a bad name
mr. like you

so i'm taking the mr.
from out in front of your name
cause it's a mr. like you
that puts the rest of us to shame
it's a mr. like you
that puts the rest of us to shame

Gente de Havana

Fidel Podre de Rico num Rico Mundo Podre

"Nuestro pueblo heroico ha luchado 44 años desde una pequeña isla del Caribe a pocas millas de la más poderosa potencia imperial que ha conocido la humanidad. Con ello ha escrito una página sin precedentes en la historia. Nunca el mundo vio tan desigual lucha." (Fidel Castro, discurso do 1º de Maio de 2003, em La Habana).
No entanto, como consequência da queda do comunismo e o demoronamento da URSS, Cuba acabou isolada, tendo este isolamento acarretado diversos problemas econômicos, particularmente visíveis na escassez de produtos na ilha, que são racionados e limitados aos bens essenciais.
Todavia, o regime de Fidel foi bem sucedido em uma diversidade de aspectos, por exemplo na construção de um sistema de saúde de boa qualidade, mesmo para o padrão dos países ricos, e na manutenção de uma cultura nacional rica e exótica, que de outra forma poderia ter sido enfraquecida. Em reconhecimento a seus esforços, Fidel Castro foi o primeiro
chefe de Estado a receber a medalha da "Saúde para todos" da OMS, em 12 de abril de 1988.
En 2000, após meio século de castrismo, as taxas oficiais cubanas melhoraram tanto para a alfabetização (96%) como para a mortalidade infantil (0,9%). Segundo as estatísticas da
UNESCO, a taxa de instrução de base em Cuba é uma das mais elevadas da América Latina. O PNB por habitante, no entanto, tornou-se medíocre e coloca Cuba entre os países pobres ou relativamente pobres, embora alguns estudos apontem para o início de uma lenta recuperação económica do país.
O seu regime é considerado, actualmente, um dos últimos redutos de inspiração comunista no mundo, embora alguns analistas políticos prevejam e observem já uma maior abertura do país ao exterior.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Fidel_Castro)

Uma vez estive em Cuba, como quem entra numa máquina do tempo transportado aos anos 70. A arquitectura levou-me mais atrás, aos tempos coloniais, pela imagem da sua ruína. Em Cuba há uma inexplicável felicidade no ar. Senti logo que havia mais alegria naquela visível falta de recursos que em toda a suposta felicidade que eu podia experimentar de estar ali na condição de turista com hotel, transporte e dólares. Mesmo o desejo de ter ali não é rancoroso. Se se conseguir umas calças de ganga americanas, um perfume francês, uma pastilha elástica, melhor ainda. Belas mulheres morenas acompanhantes por uma noite de tísicos alemães branquelas, por um bom jantar, pelo convite à dança de uma música que nem os modos desençongados e descoordenados dos alemães conseguem tirar do ritmo. De fora eu sentia mais tristeza por elas do que elas que mesmo assim se divertiam. Na falta de transportes públicos ou preferindo tudo a entrar nos velhos autocarros atascados de gente suada daquele clima pesado de humidade insular, dava-se e apanhava-se boleia de bicicleta, caminhava-se a pé pelo ar morno, difícil de respirar. As cores quentes tornavam o azul do céu numa cor quente. Os mujitos davam um alívio temporário e a seguir provocavam novas ondas de calor . Bons serviços de saúde. Gente civilizada, humana, informada, fluente. "Taxistas" nos seus desgastados carros particulares fazendo biscates mais rentáveis em dólares do que o seu salário de ex-professores universitários. Um povo a viver de expedientes para aceder aos dólares, o dinheiro que vale e que tudo compra. Candonga. Muita candonga. Um povo a fazer pela vida. Um povo que reconhece que lhe falta muita coisa mas com a consciência que têm acesso ao mais importante. Saúde. Educação. Orgulho na resistência ao capitalismo. Um povo que sabe o que custa a independência, que sofre o embargo aprendendo a ser feliz com o muito pouco que o estado lhe oferece e que as nossas democracias neo-liberalistas dizem não ter dinheiro para pagar: saúde, educação, investigação, cultura. Gostariam de poder andar com roupas de marca. Gostariam de poder ir ver com os seus próprios olhos como é o mundo fora da ilha. E no entanto, sem isso, são felizes. Vê-se que são felizes daquele sol e daquela bandeira que acenam de não pertencer mais ao imperialismo americano. Vê-se que se orgulham de ser cubanos, o que nos há-de soar muito estanho, a nós portugueses.
Em Cuba há quem tenha bons carros, quem ande na última moda, quem não tenha que esperar pelas senhas mensais na fila da cantina estatal. São os filhos do poder. E afinal Fidel é rico. Podre de rico. Uma espécie de comunista rico inadmissível para o mundo ocidental “desenvolvido”. Dinheiro. Muito dinheiro. Será essa a fórmula que encontrou para ser respeitado no mundo e para ser intocável até mesmo pelos podres poderes do imperialismo americano? Será Fidel uma espécie de banqueiro anarquista pessoano? Terá ele aprendido a viver de expedientes para se impôr num mundo onde o poder do dinheiro impera?

sexta-feira, maio 05, 2006

"Ah, sempre no curso leve do tempo pesado"

Ah, sempre no curso leve do tempo pesado
A mesma forma de viver!
O mesmo modo inútil de star enganado
Por crer ou por descrer!

Sempre, na fuga ligeira da hora que morre,
A mesma desilusão
Do mesmo olhar lançado do alto da torre
Sobre o plaino vão!

Saudade, sperança – muda o nome, fica
Só a alma vã
Na pobreza de hoje a consciência de ser rica
Ontem ou amanhã.

Sempre, sempre, no lapso indeciso e constante
Do tempo sem fim
O mesmo momento voltando improfícuo e distante
Do que quero em mim!

Sempre, ou no dia ou na noite, sempre – seja
Diverso – o mesmo olhar de desilusão
Lançado do alto da torre da ruína da igreja
Sobre o plaino vão!


Fernando Pessoa
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