terça-feira, janeiro 16, 2007

A Flexissegurança fede


Dizer “desemprego” tem um pendor “revolucionário”,
por isso há quem prefira dizer “mobilidade de emprego”
(ideia formulada nenhures no Prós e Contras)

A Flexissegurança tem o peso das palavras do Admirável Mundo Novo. Passou neste país, em forma de notícia, como uma brisa passageira que deixou todo o ar fétido. Quando o discurso é sobre o emprego – e o desemprego – ele vira-se inevitavelmente contra quem vem defender a “mobilidade”, revelando-se afinal como um dos principais calcanhares de Aquiles das políticas de inspiração neo-liberalista. A grande contradição do sistema anunciado é ele usar uma estratégia que visando facilitar a troca do emprego certo pelo incerto, enuncia a fórmula da ... segurança... flexível.

Quem assegurará a segurança que resulta da flexibilidade? Flexissegurança não é mais do que uma segurança flexível ou seja, umas vezes haverá emprego outras vezes não. Como pode a segurança do emprego tornar-se numa coisa flexível? Ou há segurança ou não há. Ou há emprego estável ou não há segurança.

A tentação de o empresário tornar o seu negócio mais lucrativo pela simples “mobilidade” de muitos dos trabalhadores dos quadros da empresa para fora; a desvalorização dos ordenados dos que lá ficam sem a perspectiva de progredir na carreira, a ter que trabalhar mais, pelos outros que se foram, à espera de serem os próximos e a ver o ordenado a decrescer todos os meses; o desinvestimento em formação contratando-se pessoas com escassas qualificações para poder pagar-lhes menos; finalmente, o sonho de banir todos os direitos do trabalhador. Melhor: a vontade de suprimir o próprio “trabalhador”.

A ideia é sermos todos empresários. O Estado deixar de nos dar a retoma dos nossos impostos pagos a horas e só podermos a partir daí contar com a nossa possibilidade de comprar uma conta bancária, de arcar com uma seguradora que tome conta das reformas que amealharmos. Mas aonde estão as economias dos portugueses que faz essa gente julgar que enriquecerão à custa delas? Onde está esse emprego que empregará a mão-de- obra de todos esses supostos modernos modelos de trabalhadores free lancers? Que garantias lhes são dadas de que se se tornarem flexíveis encontrarão trabalho? Se até agora se tem assistido a empresários que não pagam os salários, os subsídios, as horas extraordinárias que muitos deles devem aos seus trabalhadores, como confiar que cuidarão para que o trabalhador "flexível" subsista nos momentos de não-emprego.

Os dinheiros do Estado não serão jamais gastos em benefício do cidadão, antes serão canalizados o mais possível para apoiar essas grandes empresas que acabam sempre por achar que os seus trabalhadores não são suficientemente produtivos, as mesmas que nunca acham os seus lucros suficientemente lucrativos. Querem que o cidadão que passou a vida a descontar para o Estado abra mão dessa dívida para com ele e passe a entregar o seu salário na mão de empresas privadas cujo único motivo é aumentar os lucros. Mas também querem que o Estado apoie as suas empresas e lhes conceda benefícios. Afinal quem quer realmente mamar no Estado?

Os empregados em situação precária (ou seja todos, por esta ordem de ideias), os desempregados, todos os que vêem os seus direitos a desaparecer, os reformados que toda a vida descontaram e que têm agora uma reforma ridícula, aqueles que vêm o seu poder de compra diminuir, como vão estar preparados para arcar com os custos de uma saúde e de uma educação privadas? Como vão abrir a tal conta bancária que lhes acena poder assegurar um dia o seu futuro? Como vão comprar o seu próprio seguro, iniciar o seu próprio negócio, pagar ainda mais pela sua própria saúde e educação?

O Estado falido pelas sucessivas más gestões, pretende aliviar a carga da sua responsabilidade. O buraco é tão grande que as despesas se tornam na batata quente que o Estado, aliviado, atira para a mão dos privados. Este sector recolhe o bolo, reparte-o, joga o seu dinheiro na bolsa, anuncia a crise no seu país, corre a investir num país onde o trabalho é ainda mais precário, evoca a competitividade e a concorrência global, aumenta a fasquia do lucro, baixa os salários, põe os lucros a render e despede mais trabalhadores. Normalmente estas são as empresas "de sucesso" que conseguem quase sempre reduplicar os seus lucros cada ano que passa.


5 comentários:

Kaos disse...

Excelente texto. Assino por baixo tudo o que ai é dito. Já uma vez tiveram de fugir do país e depois voltaram. Não estará na hora do adeus até nunca mais?
bjs

Anónimo disse...

kaotica
Bem visto, como sempre fazes.
está tudo muito complicado e só algumas pessoas dão conta disso? E acreditam que a economia está a crescer? Mas como?
Um abraço.

Kaotica disse...

Kaos

É muita bondade tua. Quem me dera ter a tua capacidade de síntese capaz de tudo reduzir a um só "boneco" e ainda nos fazer rir e ficar bem dispostos.
Um abraço grande!

Kaotica disse...

Renda

As pessoas gostam de ser enganadas, de viver na ilusão. Até que um dia a realidade cai sobre as suas próprias vidas e é então que elas percebem que afinal a impiedade do sistema capitalista não era um mero slogan da temível extrema esquerda mas sim um aviso sério de que o barco estava prestes a afundar. Tarde demais!
Um abraço!

Outsider disse...

Este tema mais que feder, contamina completamente!
Se se for a já pouca segirança e direitos de quem trabalha, estamos desgraçados. Todos os trabalhadores estão condenados a uma vida de medo e insegurança. Isto não pode dar bom resultado...
Um Abraço.

Blog Widget by LinkWithin