quinta-feira, maio 31, 2007

Balanço retratado de um dia de greve geral

Sou desempregada, por isso não podia activamente participar nesta greve. Como mãe e dona de casa, também não teria quaisquer hipóteses de fazer greve e, mesmo que pudesse não o faria pois não estou descontente com as políticas que se praticam na minha casa. Só podia pôr o meu blog em greve, o que fiz, e participar activamente num movimento de solidariedade que se gerou na blogosfera de apoio a esta greve, passando a palavra. Muitos blogs marcaram a sua posição. Haverá por aí algum jornalista corajoso que dê notícia do que aconteceu? Quantos blogs pararam solidários com esta greve ainda que fosse chocha desde o início? Mesmo nunca podendo ser uma "greve geral", foi uma greve de protesto pelas políticas de destruição feitas pelo governo, cumpridas à risca a partir das directivas da UE. E por isso esta greve é mais abrangente, ela vai contra as políticas praticadas, e essas políticas são as do governo e são as da UE, são as do capitalismo global. Torna-se urgente inverter esse rumo. Não queremos essas políticas. Elas não são boas para o nosso país. Nada disto queremos . NADA.


Uma amiga ligou-me de manhã: ouviste esta – perguntou – ainda não eram 08:30h já os noticiários do rádio diziam que a adesão à greve tinha sido fraca. É o que fica gravado na impressão das pessoas quando obliquamente escutam a notícia. É como os cabeçalhos dos jornais, num relance é o que fica. (Dois principais jornais diários: num a ausência da greve; no outro a greve -- tudo passado no mesmo país: o país do deserto, da areia para os olhos dos pobres camelos abandonados à sua sorte -- e ao nosso azar de ter estes oportunistas a mandar em tudo, com maioria) -- Então e a manif? Sabes onde é a manif? Eu não sabia mas estava certa de que ia haver. Afinal enganei-me: não havia manif, nem marcha de protesto contra as políticas do governo, nem sequer um encontro de descontentes em frente ao palácio de Belém como nos tempos do Santana Lopes. NADA.

Ao longo da manhã fui ouvindo no Fórum TSF as mais inacreditavelmente tacanhas opiniões sobre a greve: que a greve era controlada pelos comunistas que ainda não se tinham apercebido que tinha caído o muro de Berlim; uma brasileira a dizer que a greve só impede a ordem e ao progresso necessários ao país e que tínhamos era que produzir ainda mais; que os grevistas eram uns malandros de uns comunistas que não deixavam o governo endireitar o país e tal. No meio desta pobreza franciscana que sobrou de um país atrasado por 48 anos de fascismo e ditadura, um país mesquinho, dissimulado e masoquista capaz de querer um governo que o desqualifica e rebaixa, eis que surge uma opinião clarividente: um socialista liga dizendo que se envergonha de ter votado neste governo, um socialista que se assume publicamente lesado por um governo que se diz socialista e que não é. Quantos destes socialistas íntegros e arrependidos teremos hoje no nosso país? Podem os cidadãos processar um governo que está levando para a frente políticas de destruição dos serviços públicos e que se reclama de um partido que se diz socialista? Podem os cidadãos condenar na justiça um governo e um partido de mentirosos? Podem ministros que fazem discursos sobre uma imaginária e delirante região apenas de camelos ser interdito de exercer o seu cargo, acusado de incapacidade? E uma ministra da educação que não defende nem o ensino, nem a escola, nem os professores, nem os conhecimentos dos alunos, pode continuar sendo ministra da educação impunemente? E um primeiro-ministro pode assumir a presidência da UE vindo de estabelecer com Putin, em tom diplomático, a violação dos direitos humanos que cada um pratica no seu canto: prisões e a pena de morte nos EUA e controle dos media na UE, disse o crápula mafioso. Sócrates comeu e calou, em nome de todos nós, tão mafioso quanto o outro.
Saí para a rua com a t-shirt “Sócrates, Não!”, com aquela imagem que figura em muitos blogs e fui fazer o meu pequeno protesto individual. Olhares descaíam nela mas ninguém disse nada. NADA

Estive com essa amiga no café e conversámos em voz alta sobre a greve, o país, a vergonha que por cá se passa. Juntas traçámos esse retrato do país dos masoquistas e das várias atitudes face à greve. Não poupámos governo nem sindicato, falámos o que quisemos pela tarde fora: ela de greve; eu desempregada. Depois fomos para uma aula de yoga e aí sim foi o movimento, o silêncio e a unidade. De política, nada. NADA

Já no final do dia fomos juntas a uma reunião em casa de amigos militantes de um pequeno partido. Nem uma nem a outra somos militantes mas, falo por mim, gosto de participar nessas reuniões revolucionárias onde tudo se pode dizer, onde se discute cada posição, onde comentamos em conjunto as últimas "notícias", as golpadas do governo, as jogadas dos partidos; onde nos apercebemos com antecipação das consequências nefastas das políticas da União Europeia, onde equacionamos os tentáculos do capitalismo global, com as suas guerras e os seus acordos tácitos; onde nitidamente constatamos que por detrás de cada "notícia"se esconde uma intencionalidade mais do que uma informação; onde paramos para ler em conjunto um texto do Lenine e, ao medir as suas palavras com a realidade do tempo actual, nos damos conta de que tão bem se traduzem à distância do século XIX os propósitos do capitalismo, o modo como os detentores dos meios de produção usurpam através da mais-valia a riqueza que os trabalhadores produzem e como a maior parte dos seus enormes lucros vivem à custa da redução dos salários e do número de trabalhadores. A velha questão da luta de classes é afinal tão actual, arrasta-se pelos tempos da moderna escravatura e não há nada que detenha essa luta. NADA.


10 comentários:

Laurentina disse...

Pois é Kaótica têxto grande escreveste...mas que li com total agrado e toda a atenção.
Subscrevo tudo o que aqui dizes ...as velhas questões são agora trabalhadas pelos MAFIOSOS com mais requinte e sofisticação de meios.
PULHAS , SALAFRÁRIOS , FILHOS DE UM COMBOIO DE PUTAS ...DESCULPA -ME A LINGUAGEM MAS A REVOLTA A ISTO OBRIGA PARA NÃO TERMOS QUE IR DESTILAR PARA UM QUALQUER CONSULTÓRIO MÉDICO E TER QUE AINDA GASTAR DINHEIRO Á CONTA DE SUAS EXCELÊNCIAS...

fICA BEM
BEIJÃO GRANDE

rendadebilros disse...

És uma danadinha de uma activista!!!
Beijos.

tb disse...

POis é amiga e são esses peqeunos grandes NADAS que dão cabo da nossa vida.
Jinhos

Pata Negra disse...

Talvez seja pela nossa força que a imprensa nos ignora. Talvez seja a nossa força, o facto da imprensa nos ignorar. Muitos, como nós, aproveitaram a diferença do dia de greve não só para protestar, mas também para reflectir, para porem as suas ideias em dia, para viver!
Costumo deixar a meio os posts extensos! Este li-o todo com prazer. Este poupou-me tempo: sobre o que penso e está escrito por outros não vale a pena eu voltar a escrever!
Um abraço

Kaotica disse...

laurentina

já sabes que tu aqui está à vontade para dizeres o que quiseres e como quiseres. Estás em casa, na minha alegre casinha virtual. Considera-te minha convidada e diz o que sentes. Afinal aqui podemos trocar opiniões ... e não só aqui! Compreendo perfeitamente que os trates assim: uns tratam-nos assim para dentro, outros é para fora, questão de feitios e paciências. Realmente já não há paciência. Estou contigo nessa luta. Filos de um corno enxertado em directivas da União Europeia. Tudo varrido!

A greve na blogosfera foi catita!
Bjos

Kaotica disse...

"Danadinha" já fui, quando era pequena. Agora sou mais danada. Sou e estou. E também estou danadinha para a brincadeira, mesmo não sendo já pequena. Tudo muito complicado, amiga, mas continuo a achar que todos devíamos estar danados com este estado podre de coisas que estão a acontecer no nosso país. Só aguentamos ficar calados uma dia -- o dia da greve geral -- e mesmo aí não nos pudemos conter nos comentários (e que comentários!). Agora há que voltar a pôr a boca no trombone que notícias não faltam.
A luta continua!

Abraço

Kaotica disse...

João Rato

Admiro a vossa paciência. Bem gostaria de ser mais sintética mas este imbróglio não mo permite. Fico bem contente que estejamos em sintonia -- e quantos mais, melhor.
A greve da blogosfera foi linda porque teve os resultados que teve sem estar organizada. Foi uma manifestação espontânea de participação e solidariedade. E olha que afinal sempre houve o tal jornalistazinho que deu notícia, embora tenha metido os pés pelas mãos em relação à imagem do Kaos e tenha lançado o falso testemunho de que o Kaos foi o cabecilha. Foram muitos os blogs que se lembraram de aderir à greve (era sabido que esta greve precisava de ser apoiada); prova disso é existirem blogs em greve com outra imagem. Na blogosfera podem formar-se correntes em que cada um é o protagonista.
Abraços

Anónimo disse...

Kaotica, excelente texto! Muito bonito ... com muita garra! Também gosto de participar nesse tipo de tertúlia :). Também não sou militante de nada a não ser das causas.
Esta época terrível, deu-me a sorte de conhecer pessoas muito boas, corajosas, solidárias. Sem interesses mesquinhos.
Eu também queria uma manif ... e não houve. Que tal organizarmos uma ou duas para a próxima? Performances, passeios, encontros ...
Bjinho!
M.

Kaotica disse...

Moriae

Para a próxima combinamos ir todos passear para o jardim em frente ao palácio de Belém. Se fosse o pessoal que fez greve nos blogs, já eramos uns quantos!
Brevemente vou convidar-te para um encontro, mas ligado à escola pública.
Abraços

Anónimo disse...

OK! Conta comigo!
Bj,

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