domingo, março 23, 2008

Ode Pagã (Dedicada à Renda)

                                         

Viver! - O corpo nu, a saltar, a correr
Numa praia deserta, ou rolando na areia,
Rolando, até ao mar… (que importa o que a alma anseia?)
Isto sim, é viver!

O Paraíso é nosso e está na terra. Nós
É que temos o olhar velado de incerteza;
E julgamos ouvir a voz da Natureza
Ouvindo a nossa voz.

Ilusões! O triunfo, o amor, a poesia…
Não merecem, sequer, um dia à beira-mar
Vivido plenamente, - a sorver, a beijar
O vento e a maresia.

Viver é estar assim, a fronte ao céu erguida,
Os membros livres, as narinas dilatadas;
Com toda a Natureza, em espírito, as mãos dadas
- O resto não é vida.

Que venha, pois, a brisa e me trespasse a pele,
Para melhor poder compreendê-Ia e amá-Ia!
Que a voz do mar me chame e ouvindo a sua fala,
Eu vá e seja dele!

Que o Sol penetre bem na minha carne e a deixe
Queimada para sempre! As ondas, uma a uma,
Rebentem no meu corpo e eu fique, ébrio de espuma,
Contente como um peixe!


Carlos Queiroz
in Desaparecido
Breve Tratado de Não-Versificação
Edições Ática
1984

1 comentário:

Mariazinha disse...

Que cherinho a maresia.

Faz-me lembrar as manhãs de Maio na Caparica. A praia deserta,o vento e aquele poderoso mar a bater na areia,ajeitas o saco-cama, fechas o livro e simplesmente deixas-te estar a disfrutar os azuis.
Uma boa semana.
Beijokas

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