sexta-feira, abril 11, 2008

Algumas Questões a Propósito do Tibete

imagem daqui

China: Manifestações em Lhasa há mais de uma semana


Algumas Questões a Propósito do Tibete

(Artigo de François Forge, traduzido de Informations ouvrières – semanário editado pelo Partido dos Trabalhadores de França – nº 838, 24 de Março de 2008)

A grande imprensa internacional fixou bruscamente, nestes últimos dias, toda a sua atenção sobre as manifestações que têm abalado a capital da província autónoma chinesa do Tibete (1). Porquê? O que se passa na realidade?
As autoridades chinesas filtram as informações a seu gosto, e as proclamações de organizações de exilados tibetanos, na Índia e noutros sítios, não são verificáveis. Uma coisa é certa: a repressão fez numerosas vítimas (20 mortos segundo as autoridades chinesas, 130 segundo as organizações de exilados tibetanos). Aquilo que está igualmente estabelecido é que o sinal para as manifestações, no próprio Tibete, partiu de grupos de exilados na Índia que celebraram o 49º aniversário dos acontecimentos de 1959 – os quais conduziram, nessa época, ao exílio do Dalai Lama. As manifestações foram desencadeadas, em primeiro lugar, pelo facto dos monges budistas tibetanos terem saído dos seus mosteiros em cortejo.
A dispersão destes desfiles foi seguida de manifestações, as quais o semanário britânico The Economist – que era o único a ter um correspondente no local – sublinha que “elas foram acompanhadas de violências raciais contra os comerciantes chineses e que são acompanhadas de violências de carácter religioso contra os muçulmanos chineses”.
O jornalista britânico acrescenta que “os chineses de Lhasa estavam estupefactos e furiosos, face à reacção lenta das forças da ordem” e, a partir do momento em que estas entraram em acção, foram “os tibetanos que ficaram sujeitos ao temor de uma vaga de detenções indiscriminadas e arbitrárias”.
Depois do Kosovo…
Será por acaso que – no dia seguinte à proclamação da independência do Kosovo – toda a imprensa internacional se pôs a fazer um grande alarido em torno dos acontecimentos do Tibete? Aquilo que se passa hoje em dia nesta região chinesa autónoma e nas províncias vizinhas – onde residem minorias tibetanas importantes – não está a ser utilizado para preparar o desmantelamento da China?
Qual o papel do Dalai Lama? Em Setembro de 2007, ele recebeu a medalha de ouro do Congresso norte-americano e foi saudado, em Outubro do mesmo ano, como campeão da democracia por Angela Merkel… E, no momento em que se desenvolvem as manifestações em Lhasa, Nancy Pelosi – presidente democrata do Congresso dos EUA (que recusou votar o fim dos créditos para a guerra no Iraque) – encontrou-se com “sua santidade”, num mosteiro na Índia. Pouco antes, a Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, também o tinha saudado.
Esta proliferação de homenagens também encontrou um reforço, quase caricatural, em certos sectores que proclamam ser “alter-mundialistas” ou “anti-capitalistas”.
É assim que Politis – jornal da Esquerda Alternativa – não hesita em dizer que o Tibete constitui a maior injustiça colonial, em conjunto com a Palestina! E que Rouge, semanário da LCR (Liga Comunista Revolucionária, de França), apela à ONU para assegurar o direito à autodeterminação dos Tibetanos (2).
Partir dos Factos

Restabeleçamos alguns factos.
Todas as nações constituíram-se englobando componentes diversas, ao longo do seu desenvolvimento. O Tibete está associado à China desde o século XIII (Ver “Referências cronológicas”), e foi apenas durante a decomposição do império chinês – e nas condições criadas pela intervenção imperialista – que o Tibete conheceu uma pretensa independência, a qual era na realidade uma dependência do imperialismo britânico. Foi assim muito naturalmente que a revolução chinesa de 1949 – destruindo o feudalismo, acabando com a dominação estrangeira e iniciando a colectivização dos meios de produção – englobou o Tibete.
A raiz dos problemas actuais não se encontra no desprezo pelas tradições religiosas locais (3), mas muito mais no facto da camada dirigente do Partido Comunista e do Estado chinês ter procurado – num acordo com o clero tibetano, depois da vitória da revolução chinesa de 1949 – preservar o sistema social fundado sobre a escravidão da grande massa dos camponeses, que assegurava a dominação do alto clero budista nessa região da China. É o desenvolvimento da revolução agrária, da colectivização das terras de toda a China que levou, por volta do final da década de 1950, à quebra deste compromisso. Foi então, com o apoio da CIA, que foi desencadeada uma insurreição, no seguimento da qual o Dalai Lama foi exilado.
Onde está o futuro?
Os problemas reais das minorias nacionais linguísticas não podem ser resolvidos positivamente sem ser através da democracia. A burocracia dirigente chinesa – que se arroga o monopólio do poder político e que, para manter os seus privilégios, recusa qualquer expressão independente à classe operária – é incapaz de o fazer. Tirar a conclusão, como o fazem alguns, que o futuro dos tibetanos está num retorno a um feudalismo teocrático e no desmantelamento da China, é considerar que não há futuro para os povos – e, nomeadamente, para o povo chinês – senão submetendo-se ao imperialismo. Para defender hoje aquilo que resta das conquistas da revolução – e, antes de tudo, a propriedade do Estado dos grandes meios de produção e a unidade do país – a classe operária chinesa, no seu conjunto tem, mais do que nunca, necessidade de democracia.
E isso vale tanto para a componente tibetana como para todas as outras.

Notas

1) No Tibete coabitam tibetanos – com a sua própria língua e cultura – e chineses, em maioria Han, que se instalaram no Tibete depois de 1950.
2) Num segundo comunicado, a LCR arrepende-se: «A reacção dos diferentes governos, à imagem do de Nicolas Sarkozy, é de uma grande timidez, limitando-se a pedir ao Governo chinês “mais moderação”.»
3) Uma nota a este respeito: O Governo chinês tem sido vezes acusado de espezinhar as tradições religiosas no Tibete; parece, no entanto, que os mosteiros foram preservados e continuam a juntar um número considerável de monges que “beneficiam da caridade pública” e, portanto, da tolerância do poder.

REFERÊNCIAS CRONOLÓGICAS

· Segundo as estatísticas oficiais chinesas, o número de tibetanos é cerca de 5,2 milhões, dos quais há 2,5 milhões que se encontram na região autónoma do Tibete (cuja capital é Lhasa), estando o resto repartido pelas províncias do Qinghai, do Gansu e do Sichuan. Os tibetanos são uma minoria nacional, com uma língua e uma cultura próprias.
· A superfície da região autónoma é de 1 221 000 km2.
· O Tibete sempre esteve sujeito a um regime teocrático, no qual a esmagadora maioria do campesinato vivia numa situação de escravidão.
· Desde o século XIII, que está associado à China.
· Em 1720, tornou-se um protectorado do império chinês, mas as suas estruturas particulares foram preservadas.
· Em 1904, as forças militares sob direcção britânica tornaram o Tibete numa dependência do imperialismo inglês.
· Em Outubro de 1950, o Tibete foi integrado (no momento da guerra da Coreia) na República Popular da China, mas o sistema feudal manteve-se até 1959.


Apelo do Comité Internacional para a Defesa da Propriedade Social na China, para a Defesa dos Trabalhadores Chineses (extractos)

Constituído em Mumbai (Índia), a 20 de Janeiro de 2008, por militantes operários da Ásia

«Perseguindo os capitalistas, os operários e os camponeses chineses realizaram a unidade da nação chinesa (…).
Esta unidade não pode ser estabelecida senão em relação com a base social na qual a classe operária foi constituída. Não existem centenas de milhões trabalhadores que beneficiam da garantia de trabalho, do direito à educação para os seus filhos e da protecção da saúde, no quadro das empresas do Estado?
Contra as multinacionais, as privatizações que ameaçam a própria existência da China como nação unida e soberana, restabelecer a propriedade colectiva dos meios de produção e assegurar o seu controlo pelos trabalhadores – não é este o conteúdo dos combates levados a cabo pela classe operária chinesa?
Por que é que seria necessário renunciar à via que abriu a acção revolucionária das massas chinesas, em 1949?
Em nome do respeito pela “mundialização” e pelo carácter “incontornável” da economia de mercado?
(…) Irmãos e irmãs chineses, nós que combatemos as privatizações nos nossos próprios países, nós estamos do vosso lado enquanto vocês defenderem a propriedade social nos principais sectores da produção industrial, defendendo os vossos empregos, exigindo a manutenção da vossa cobertura de saúde e das vossas reformas (…).
Os trabalhadores chineses têm o direito legítimo a organizarem-se para se defender. Nenhuma razão, nenhum argumento pode justificar que as empresas estatais – que pertencem ao povo chinês – sejam vendidas em saldo aos especuladores privados e estrangeiros (…).»

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá amiga

Excelente post.

Como já afirmei num comentário a esta problemática China vs Tibete, não tenho “bagagem” para falar no mesmo. Com este post fiquei um pouco mais elucidado.

BJS

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