sábado, maio 10, 2008

Educação para a cidadania da obediência cega ou da revolta?

Um destes dias a minha filha ligou-me da escola dizendo que estava a fazer tempo para a aula de apoio do Inglês e que ia ao bar comer qualquer coisa. Os alunos saem às 13h15 e os que têm apoio ficam à espera até às 13h45 e saem às 14h30. Como a minha filha vem sempre almoçar a casa, nesse dia ela leva algum dinheiro para comer qualquer coisa nesse intervalo para se aguentar até sair da aula.

Daí a bocado volta a tocar o telemóvel. Era ela nervosíssima e principalmente irritada porque eram quase horas da aula e ela numa fila do bar a ver os professores a passarem-lhe à frente.

Naquela escola há muita subserviência e escassas regras de democracia. Como querem ensinar a cidadania se os adultos envolvidos no processo educativo, sejam eles auxiliares, professores ou mesmo pais, subvertem essas regras de convívio usufruindo da sua posição superior. Disse-me que as auxiliares do bar atendiam os professores com toda a parcimónia e a eles, alunos, os mandava esperar e estar calados na fila até os senhores professores serem todos atendidos e despachados.

Não tinha conseguido comer e tinha que ir para a aula. Queria protestar. Calmamente disse-lhe que a escola tinha livro de reclamações, se ela o queria usar. Na altura concordou. Mas depois desligou, teve que ir para a aula. Estava quase a chorar de raiva, percebia-se pela voz.

Pouco tempo depois voltou a ligar-me: estava no bar à espera de uma tosta. Tinha dito à professora. E ela tinha-a deixado sair da aula para ir ao bar comer. Ficou mais apaziguada com os professores.

Às 14h30 fui buscá-la, vinha formosa e mais segura. Pelo caminho falámos no episódio e ambas concordámos como era injusto, que cada um deve ter a sua vez e ser respeitado e que ninguém nos deve passar à frente pois perante a necessidade de comer todos somos iguais.

Pode-se abrir uma excepção e atender primeiro um professor que está com pressa porque vai entrar para uma aula. Mas não se deve fazer disso uma norma e permitir que as crianças passem um intervalo inteiro numa fila e que acabem por ir para a aula sem comer. Depois vêem-se queixar que os meninos vão para as aulas sem comer porque os pais não os obrigam a tomar o pequeno-almoço em casa nem lhes mandam um lanche para a escola.

Lá dentro da escola os alunos são tratados como os menos importantes. Já houve Invernos em que a minha filha se queixava que estava frio na sala de aula e que a professora punha o aquecedor virado para si e não para a turma. Não existe por lá nenhuma sala destinada ao convívio dos alunos e cá fora o próprio Agrupamento reconhece que nas áreas exteriores há poucos espaços abrigados. Chegam a abrigar-se da chuva debaixo de umas mesas de ping-pong que há num recreio. As empregadas gritam-lhes que não podem estar nos corredores no intervalo e empurram-nos porta fora fechando a porta à chave.

Sim, naquela escola os alunos andam ao desabrigo, embora esteja numa zona predominantemente de média-alta burguesia. Daquelas em que a maioria dos pais nem vai à escola, são as carrinhas de ATL que levam e trazem as crianças, salvo algumas excepções de avós reformados que se ocupam deles e algumas mães ou irmãos mais velhos que estão por ali por perto.

Aqui, os exemplos de cidadania que vêm em caixotes e em peças separadas da união europeia vão servir às mil maravilhas para preencher a lacuna da falta de cidadania. Vão dizer aos nossos filhos que são cidadãos europeus e, como tal devem obedecer às leis europeias sem as contestar, aliás ninguém lhes vai falar em contestações, coisas como o Maio de 68 estarão abolidos dos programas de História, se for pela vontade do senhor Sarkozy.

Na escola continuaram a estar ausentes os verdadeiros valores e os exemplos éticos da cidadania, que aliás serão ainda mais afastados com a aplicação da lei da gestão e autonomia. Na escola irá funcionar a grande pirâmide bilderberg em que entes de mente obscurecida pela sede do poder e do dinheiro, através de fios invisivéis, mas cada vez mais descarados, enviarão as leis a aplicar na escola que por sua vez serão dadas, pelos ministérios dos governos em conluio, aos directores das escolas, que as farão cumprir aos professores titulares, que exigirão que os outros professores as cumpram dentro das suas salas, vigiando o seu trabalho a pretexto do seu desempenho ser avaliado, que por sua vez as ministrarão em forma de conteúdos aos alunos, nossos filhos.

Os alunos sofrem as consequências, estão na base da pirâmide, não contam como indivíduos mas sim como cidadãos habituados a não ter direitos logo a partir da idade escolar e a calar as trapaças do bar, a suportar e a obedecer à hierarquia. Como não há-de isto gerar a revolta dos jovens?

Ler sobre a Obediência

15 comentários:

Anónimo disse...

Amiga
Tens de meter a miúda no liceu francês ou algo parecido, na escola pública em Portugal, os alunos são meros números que só contam para as estatísticas. Esses professores deviam de ir aprender normas de conduta e de educação, como podem ensina-las se não as têm.....

BJS

storaPaula disse...

Sou professora, mas lembro-me de ser assim na minha escola no tempo de aluna. Tive um professor de moral que um dia (pelo menos) decidiu esperar na fila da cantina para almoçar. Acabou por desistir, porque era regra os profesores passarem à frente e houve um coro de alunos a insistir que ele não deveria estar na fila. Lembro-me de muitos se rirem por acharem que ele estava a ser "tó-tó".
Não gostávamos que os professores passasem à frente (havia um cantinho do balcão para os profesores), mas aceitávamos (que remédio).

Por outro lado, devo dizer que agora, como professora, muitas vezes opto por levar qualquer coisa para comer no intervalo e até chego a almoçar qualquer coisa no bar, por falta de tempo. O professor é o último a sair da sala, tem que passar na sala de professores por causa do livro de ponto (antes ou depois de ir ao bar) e não convém que chegue atrasado à aula seguinte. Resultado, muitos alunos conseguem chegar mais rápido à fila. Claro que alguns deles correm para o conseguir e eu tenho vergonha de o fazer na escola :D

Nalgumas escolas existe um bar de professores aberto nas horas de maior afluência... Solução de desenrasque mas pouco correcta...

O mais correcto seria sem dúvida aumentar o nº de funcionários no bar para que todos tivessem tempo, sem haver distinções.

Quanto à falta de espaços de convívio e até de abrigo e às más condições que ainda existem em muitas escolas, não é aceitável.

Anónimo disse...

Francamente considero verdadeiramente INDECENTE que um professor esteja na mesma fila que um aluno para ser servido num bar de intervalo escolar.
Devem sempre existir dois bares. Um para os alunos e outro para os professores. Na minha escola existindo, e muito bem, os professores passam no intervalo maior, o tempo em fila para tomarem o pequeno almoço ou café. Ali em pé. Apesar disso, sempre lá vão falando dos alunos ou do tempo que faz. Depois basta de 90 minutos de aulas com jovens que requerem toda a atenção e esforço obrigar um professor que como se sabe é sempre o ultimo a sair de sala e tem que ir guardar livro de ponto e tratar de algo mais, pode ser tirar fotocopias (etc), a estar numa fila de novo com alunos, só cabe na cabeça de alguém que não faz a mínima ideia do que é estar á vez com fornadas de 27 jovens á vez.
Numa situação social idêntica penso que faz sentido. Nesta situação, levantar uma questão destas, nestes termos, é idiotice pura.

Anónimo disse...

Um texto de uma professora que os pais, com letra grande, deveriam apoiar,

http://mobilizacaoeunidadedosprofessores.blogspot.com/2008/05/os-novos-directores.html

Kaotica disse...

ferroadas

Não quero os meus filhos em escolas privadas, quero-os na escola pública a conviver com todas as crianças e não apenas com pequenas elites privilegiadas. Mas quero que essa escola seja um exemplo de cidadania e que os alunos sejam considerados pessoas com direitos. Esta história é comezinha mas serve como pequeno exemplo de que mesmo na escola cada um pensa apenas em si próprio e nas suas conveniências. Tenho visto aparecer vozes em defesa dos professores e tenho visto aparecer gente que se proclama a voz dos pais, mas raramente vejo alguém chegar-se à frente para defender o presente e o futuro dos alunos.

Kaotica disse...

storapaula

Seja bem vinda. Sei que há casos em que se justifica um professor passar à frente numa fila de um bar. Talvez devesse ter descrito melhor o modo como habitualmente funciona este bar e as funcionárias que lá trabalham.
Os professores hão-de vir defender os seus motivos, mas os alunos são pessoas que estão na fila. Talvez se os professores fossem para a fila, já tivessem reclamado junto da gestão da escola que o bar para funcionar convenientemente teria que ter mais gente ou gente mais expedita. Não tenho nada contra que haja uma fila só para professores, parece-me bem. O que me parece mal é o atropelo como exemplo de conduta.

Kaotica disse...

Anónimo 1

"Indecente" é uma palavra forte e muito reveladora. Chamar de "idiotice" o que eu escrevo no meu blog, também é apreciação reveladora do tipo de professor que deve ser. Calculo o frete que deve fazer ao ler as idiotices que os alunos escrevem para você avaliar. Mas ser professor dá-lhe um certo estatuto, o poder de chegar ao bar e passar à frente dos putos e de beber o seu café sem estar à espera da sua vez como aquela ralé indecente que para ali está a atropelar-se. "Devem sempre existir dois bares" -- ena, amigo, você tem mesmo a mania das grandezas, não dá aulas na escola pública, não. Eu já me contentava com duas filas a ser atendidas por pessoas competentes, mas você não faz a coisa por menos. Não tenho nada contra os professores, até acho que deviam exigir um serviço de bar dentro da sala dos professores, como existe em escolas que conheço. Tenho é contra a estupidez da estagnação dos costumes que diz "sempre foi assim, sempre foi assim, sempre foi assim" e se esquece que se viveu, como ainda se vive num país onde os direitos não são respeitados nem os deveres cumpridos. O laxismo vindo de um professor torna-se ainda numa coisa pior!
Uns professores têm "fornadas" de alunos, outros têm "paletes" de alunos, outros ainda têm... alunos. Os primeiros são perigosos. Os segundos estão errados na profissão... e os terceiros são... professores! Respeitam os seus alunos enquanto pessoas, seja na sala, seja no refeitório, seja no bar.

Kaotica disse...

Anónimo 2

Já fui ler o texto e agradeço que mo tenha dado a conhecer. Acredite que estando à frente de uma associação de pais tenho todo o interesse nestes assuntos e me empenho a alertar os pais que se interessam, que infelizmente são poucos, mas bons. Posso dizer-lhe que fui eu que levei para um conselho pedagógico um documento feito por professores e aprovado em CP que mostrava de que forma a avaliação dos professores, do modo como tem sido introduzida é prejudicial ao trabalho dos professores e como tal afecta os alunos. O assunto foi recusado e disseram-me que não podia levar política para o CP. Todos os professores presentes se calaram, nenhum me apoiou ou fez menção de ficar com o texto para ler. A partir daí temos sido ilegalmente expulsos das reuniões sobre avaliação dos professores, tornou-se assunto tabu para o conhecimento dos pais. Já houve quem participasse do caso à DREL, pedindo explicações, mas não houve resposta. A escola está a cumprir e é tudo que lhes importa.
Acha que esta escola respeita as regras da democracia? Que cidadania irá célere ensinar aos nossos filhos?

MFerrer disse...

Tenho lido textos descbelados de profesores. Estes nada têm a ver com aqueles. Estes comentários devem ter saído da boca de alguns apostados em humilhar a classe dos profs e de os ridicularizar. Então não querem misturas com os alunos? E quando vão ar bar da escola passam-lhes à frente? Não os respeitam?. Mas que ideia é esta de que as escolas estão ali para servir os professores? Os professores estão ali para servir a escola,o ensino e os alunos em todas as circunstâncias.
MFerrer
http://homem-ao-mar.blogspot.com

Anónimo disse...

Por mero acaso, não coloquei o meu nome nos 2 comentários anteriores.
Trabalho com e para os meus alunos. E trabalho diariamente com aqueles que "pais e professores" (muitos) consideram aqueles que nem deveriam ferquentar uma escola. Qual advogada de defesa de todos em especial destes mais penalizados por toda uma sociedade. Apanho diariamente MUITA tareia. Mas sigo em frente. Um sorriso deles (muitas mal falam) me chega.
Se alguém me quer ver, e mal entro na sala de professores, é nos pátios, nos bares da escola onde trabalho. Ha poucos meses fui muito mal tratada por um aluno meu com 13 anos, com pés do tamanho de uma criança de 3/4 anos, não ter atendimento no bar da escola, por ter que estar na fila do bar e demorar mais tempo a deslocar-se do que os outros alunos com "pernas". Explico. Como tem que se deslocar no elevador e em cadeora de rodas demorava muito mais tempo a chegar ao bar do que os outros alunos "com pernas".
Esta descriminação era evidente. Hoje, este meu aluno, sai num firete das aulas e chega primeiro á fila do bar dos alunos. E o colega que o acompanha (nada de funcionários!) tem tb o prémio de se despachar a tempo tb de não ser penalizado por estar a ajudar um colega seu que merece.
Sei bem que os alunos são muito "macacos" uns com os outros. Aos mais frágeis dou-lhes "ideias" para tb se desnrascarem na "selva" da vida.
E isto é entre eles...!

anahenriques (que escreveu os comentários 3 e 4)

Anónimo disse...

Por mero acaso, não coloquei o meu nome nos 2 comentários anteriores.
Trabalho com e para os meus alunos. E trabalho diariamente com aqueles que "pais e professores" (muitos) consideram aqueles que nem deveriam ferquentar uma escola. Qual advogada de defesa de todos em especial destes mais penalizados por toda uma sociedade. Apanho diariamente MUITA tareia. Mas sigo em frente. Um sorriso deles (muitas mal falam) me chega.
Se alguém me quer ver, e mal entro na sala de professores, é nos pátios, nos bares da escola onde trabalho. Ha poucos meses fui muito mal tratada por um aluno meu com 13 anos, com pés do tamanho de uma criança de 3/4 anos, não ter atendimento no bar da escola, por ter que estar na fila do bar e demorar mais tempo a deslocar-se do que os outros alunos com "pernas". Explico. Como tem que se deslocar no elevador e em cadeora de rodas demorava muito mais tempo a chegar ao bar do que os outros alunos "com pernas".
Esta descriminação era evidente. Hoje, este meu aluno, sai num firete das aulas e chega primeiro á fila do bar dos alunos. E o colega que o acompanha (nada de funcionários!) tem tb o prémio de se despachar a tempo tb de não ser penalizado por estar a ajudar um colega seu que merece.
Sei bem que os alunos são muito "macacos" uns com os outros. Aos mais frágeis dou-lhes "ideias" para tb se desnrascarem na "selva" da vida.
E isto é entre eles...!

anahenriques (que escreveu os comentários 3 e 4)

Anónimo disse...

O que descreve acontece e é inadmissível, exactamente pelas razões que aponta.
É a única coisa que me ocorre dizer-lhe.
Na minha escola os bares são separados, a questão não se coloca.
Mas em outros locais por vezes acontece.
Como acontece tanta coisa que não deveria...

Kaotica disse...

Cara Anónima identificada

Isto que me está a contar é extraordinário. Parece uma narrativa tirada de uma obra surrealista. Se bem entendi é professora do ensino especial. Mas também me pareceu que está convencida de ser uma reencarnação viva da madre Teresa do Calcutá. A permissão que dá ao seu aluno de cadeira de rodas e ao amigo que o auxilia, pareceu-me uma coisa extraordinária, que vem ainda mais ao encontro da questão essencial do meu post: nem nas escolas se respeitam os valores da cidadania e da democracia. O aluno deficiente não devia de ter que sair mais cedo da sala para chegar antes dos outros. Os outros é que deviam ser habituados a respeitar as suas limitações e a aceitarem com compreensão a REGRA do bar: os deficientes são atendidos com prioridade. Essa regra devia ser a normalidade, como há uma fila nos supermercados para grávidas, deficientes, etc.
Surpreende-me que tenham que ser os professores a montar o esquema, deixando que essas situações se arrastem, criando soluções alternativas ao cumprimento da lei, que devia bastar por si própria, já que o bom senso não vigora!

Kaotica disse...

paulo g.

A situação serve apenas como exemplo. Não é grave como a assinatura do entendimento nem o assunto é grandioso como os 100 000 que estiveram na Marcha da Indignação. É estranho ter aqui tantos comentários. Sejam bem vindos. Só não percebo porque nos blogues se tecem grandes considerações sobre o micro-problemas e quando se traz um tema como a União Europeia e o seu projecto para destruir a escola pública ou como contactar o povo irlandês para lhes pedir para votarem não ao "tratado de Lisboa", quase não aparecem comentadores interessados em debater estes assuntos. Por que será?

Zorze disse...

Pronto o melhor é acabar com os bares da escola (estou a brincar).

Isto mostra (o post e respectivos comentários) com uma clareza meridiana o que se passa no nosso País. Tudo se agita por questões enviazadas (que também são importantes) mas não deixa espaço mental para as pessoas pensarem noutras questões.

Agora, não é isto que interessa aos governos ?
Ter a populaça a discutir uns contra os outros.

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