quinta-feira, setembro 18, 2008

Carta de um reformado aos colegas professores

Image Hosted by ImageShack.us
Imagem daqui


Testemunho de um professor reformado
Retirado do blog Matemática e Jogos Estratégicos Matemáticos por Sinistra Ministra

Testemunho do colega J. Moedas Duarte que merece aqui completa transcrição.

Fui professor durante 37 anos na Escola P. Francisco Soares de Torres Vedras e reformei-me em Janeiro passado.
Hoje, dia 1 de Setembro, senti necessidade de voltar à escola para dar um abraço solidário aos meus colegas.
Num expositor da Sala de Professores deixei este texto, que partilho agora com o grupo mais alargado dos leitores deste blogue, cujo mérito tenho divulgado sempre que posso.

CARTA ABERTA AOS MEUS COLEGAS PROFESSORES

Pela primeira vez em muitos anos não retomo a actividade docente no início do ano lectivo. Mas não o lamento e é isso que me dói. Sempre disse que queria ficar na escola mais alguns anos para além do tempo da reforma, desde que tivesse condições de saúde para tal. Contudo, vi-me “obrigado” a sair mais cedo, inclusive aceitando uma penalização de 4,5% sobre o vencimento.
Não sou protagonista de nada: o meu caso é apenas mais um no meio de milhares de professores a quem este Governo afrontou. Só quem não conhece as escolas e tem uma ideia errada da função docente é que não entende isto.
É doloroso ouvir pessoas que sempre deram o máximo pela sua profissão, que amam o ensino e têm uma ligação profunda com os alunos, a dizerem que estão exaustas e que lamentam não serem mais velhas para poderem reformar-se já. Vejo com enorme tristeza estes colegas a entrarem no ano lectivo como quem vai para um exílio. Compreendo-os bem…
Este estado de coisas tem responsáveis: são a equipa do Ministério da Educação e o Primeiro-ministro.
A eles se deve a criação de um enorme factor de desestabilização e conflito nas escolas que é a divisão artificial da carreira docente entre “professores titulares” e os outros que o não são. Todos fazem o mesmo, a todos são pedidas as mesmas responsabilidades, mas estão em patamares diferentes, definidos segundo critérios arbitrários.
A eles se deve um sistema de avaliação de desempenho que não é mais do que a extensão administrativa daquele erro colossal.
A eles se deve a legislação que não reforça a autoridade dos professores na escola, antes os transforma em burocratas ao serviço de encarregados de educação a quem não se pedem responsabilidades e de alunos a quem não se exige que estudem e tenham sucesso por mérito próprio.
No ano passado 100 000 mil professores na rua mostraram que não se conformavam com este estado de coisas. O Governo tremeu. Mas os Sindicatos de professores não souberam gerir esta revolta legítima. Ocupados por gente que não dá aulas, funcionalizados e alienados pelo sistema, apressaram-se a assinar um acordo que nada resolveu, antes adiou um problema que vai inquinar o ano lectivo que hoje começa.
Todos os que podem estão a vir-se embora das escolas, é a debandada geral. Gente com a experiência e a formação profissional de muitos anos, que ainda podiam dar tanto ao ensino, retiram-se desgostosos, desiludidos, magoados. Deixaram de acreditar que a sua presença era importante e bateram com a porta. O Governo não se importa, nada faz para os segurar: eram gente que tinha espírito crítico e resistia. «Que se vão embora, não fazem cá falta nenhuma!»Não, não tenho pena de não voltar à escola. Pelo contrário: entro em Setembro com um enorme alívio. Mas não me sinto bem. Estou profundamente solidário com os meus colegas de profissão e tenho a estranha sensação de que os abandonei, embora saiba quanto isso é pretensioso da minha parte. Vejo com apreensão e desgosto que, trinta e sete anos depois de começar a ser professor, a escola não está melhor.
Sim, regressarei hoje à escola. Mas só para dar um imenso abraço àqueles que, corajosamente, como professores no activo, enfrentam um novo ano lectivo.

Torres Vedras, 1 de Setembro de 2008
Joaquim Moedas Duarte

2 comentários:

Ana Camarra disse...

Brutal este depoimento, um retrato de uma realidade que se teima em não ver...
Sabias que os Professores em principio não aderem á Greve de dia 1 de Outubro?

beijocas

Kaotica disse...

ana

Estou contente por ver que os professores começam a pensar: perdido por um, perdido por mil e começam (os que vão podendo) a pôr a boca no trombone e a denunciar os atentados a que estão a ser sujeito e a dizer de sua justiça. Agora o importante é encontrar esses depoimentos e divulgá-los o mais possível, por todos os lados (blogues, mail, na conversa de rua, etc.)

Os professores ainda não esqueceram o que os sindicatos lhes fizeram. Estão de costas voltadas. Ou os sindicatos arrepiam caminho e os defendem de verdade ou nunca mais terão senão meia dúzia de gatos na rua e nas greves. Adeus representatividade. E isto fora os que se dessindicalizaram entretanto, que eu gostava de saber quantos foram a seguir à assinatura do memorando, número que devia ser pedido aos sindicatos por ser certamente significativo. Não estou a dizer que isto é uma coisa boa, pelo contrário, para a nossa luta precisávamos que os sindicatos existissem e fizessem o que têm a fazer: defendessem os professores e a escola pública.

Um abraço

Blog Widget by LinkWithin