terça-feira, setembro 02, 2008

Podem as escolas andar fora da Lei?

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“Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita,
pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental.
O ensino elementar é obrigatório.”

(Artº. 26º. da Declaração dos Direitos do Homem)


Ainda em tempo de férias recebi um papel da escola secundária para onde a minha filha vai este ano onde dizia para eu comparecer no dia 1 de Setembro, pelas 9h30 para proceder ao pagamento de 15 euros “para Impressos + Cartão Magnético”. Nem por coincidência, nesse mesmo dia de Agosto, no jornal que comprei, aparecia uma notícia dizendo que o Estado previa gastar “um máximo de 18 milhões para o sistema do Cartão Electrónico”. Infelizmente não trouxe comigo esse recorte, por isso ontem passei boa parte da noite à procura da notícia na Internet. Acabei por encontrar esta, que para o efeito servia muito bem. O que me chocava mais em tudo isto era o facto de a escola não só obrigar a este pagamento, em vez de pedir a colaboração financeira dos pais, mas da ameaça contida na observação final: “a falta de pagamento de todas as despesas relacionadas com a matrícula, implicam a sua invalidação”. Já na anterior escola sempre me indignou a forma como um pagamento semelhante era exigido aos pais, surgindo os 15 euros na lista de documentos a entregar no acto da matrícula, pelo que deixei de pagar. Ou seja, não é pelos 15 euros que eu me indigno, provavelmente dá-los-ia de boa vontade se os termos fossem outros, do tipo: a escola pede aos pais que possam contribuir com x euros no início do ano lectivo para poder facultar aos alunos fotocópias, ou para despesas com o envio de informações aos encarregados de educação, qualquer coisa deste género. O que me revolta é que as escolas lidem com os pais como se fossem ignorantes, desinformados ou gente que se limita a pagar e a não bufar, embora tudo isto possa ter o seu quê de verdade.
Por isso hoje saí de casa e quando chegou a minha vez de ser atendida e a funcionária me pediu o dinheiro, eu apenas muito delicadamente lhe pedi que me indicasse a lei que obrigava a tal pagamento. Afogueada mas obstinadamente determinada a cumprir as ordens que tinha por mais absurdas que fossem, começou logo a falar alto para as colegas e disse que eu aguardasse que ia lá dentro saber. Esperei um bom bocado enquanto outros pais iam pagando sem nada questionar, até que ela voltou e me disse que o senhor professor (futuro senhor director?) tinha dito que a lei era “a lei geral do Ministério da Educação” (sic!) e que o pagamento era para emolumentos, para o cartão magnético e… Então eu, mostrando-me admirada perante tal lei geral, mas muito calmamente lembrei-lhe que já no ano passado tinha havido um reboliço nos media por causa de escolas estarem a cobrar matrículas indevidamente e, quanto a destinar-se ao cartão magnético, mostrei-lhe a página retirada da internet onde é dito que está previsto as escolas receberem esse dinheiro do Estado. Contra-argumentou que ainda não receberam esse dinheiro mas quando a inquiri se quando recebessem o dinheiro ia ser devolvido aos pais ela afirmou que esse dinheiro não ia ser devolvido e arrematou a conversa dizendo que se não pagasse a matrícula seria anulada, eram ordens. Fiquei-me por ali. Via a indicação do estabelecimento ter livro de reclamações mas, francamente, a minha filha vai para aquela escola pela primeira vez, para lá ficar provavelmente até ao 12º. ano e aquele era o meu primeiro contacto com a escola. Esta, que até agora me causara uma boa impressão pelo ar organizado e pelos espaços exteriores bem ajardinados e cuidados, com boa acessibilidade para cadeiras de rodas e considerável limpeza, de repente foi como se toda essa cara lavada ficasse subitamente com a pintura esborratada. Paguei a quantia e retirei-me sem alarde mas não vou ficar calada porque não gosto de ser comida por otária, muito menos pela escola onde os meus filhos vão ser educados. Não é um bom exemplo. Desde então só me vem à cabeça que todo o país, das escolas aos ministérios, estão a funcionar em regime do mais completo cambalacho. As associações de pais organizadas protestam, o ME aparece a dizer que esses pagamentos não são obrigatórios, mas na verdade tudo isto se repete todos os anos: protestam os pais (sempre os mesmos), os media vão buscar o assunto, o ME põe água na fervura e diz que sim mas que também e os pais acabam sempre por pagar, alguns mesmo com receio de que depois sejam os filhos a sofrer as represálias dentro da escola. Estamos neste pé já há anos, vivemos hoje em Portugal um clima da pequena (!)corrupção institucionalizada. (já fizeram as contas? 15 euros/aluno) Todos sabem que é ilegal mas continuam a praticar-se as mesmas ilegalidades todos os anos. Claro que tenciono reclamar junto do Ministério da Educação, sempre quero ver o que me vão dizer de lá. Trata-se agora de um caso de persistência e de burocracia: mail ou carta registada para lá, resposta esfarrapada para cá. Em breve o Ministério lavará as suas mãos e o caso passará para as mãos das autarquias que já nada terão a ver com o que se passava antes e ninguém será responsabilizado por estas cobranças indevidas. Provavelmente o pagamento de matrículas no ensino obrigatório será um dado adquirido e até mesmo imposto por lei. Mas enquanto este for mais um direito espezinhado pelas instituições, eu aqui estarei para espernear até às últimas consequências.

1 comentário:

Anónimo disse...

Talvez haja uma multiplicidade de critérios e numas escolas não se pague nada, noutras como a da tua filha se pague os tais 15 euros, noutras ainda (creio que é o caso da minha, mas tenho que investigar, pois não tenho lá nenum filho) será um depósito que será pelo cartão electrónico...

A ilegalidade é um aspecto, importante pois é a base legal para se contestar nos tribunais estas arbitriaredades.
Mas existe um outro aspecto ainda mais preocupante: refiro-me ao aspecto psicológico de que afinal não é inteiramente gratuita a matrícula, há que pagar qualquer coisa, hoje será pelo cartão electrónico, amanhã pela instalação desportiva nova, depois pelo uso de computadores pelos alunos, etc. Assim torna-se bastante mais fácil a introdução de um conjunto de taxas que são uma matrícula disfarçada, pois não se pode estar inscrito senão pagando tais taxas. A escola «universal, laica e gratuita» desaparece paulatinamente sendo substituída por «empresa prestadora de serviços» um colégio afinal, só que gerido pelo estado e sua burocracia.
Isto é a privatização «deslizante» da Escola Pública, que vem sendo denunciada há muito tempo em vários países da UE.

Beijinhos e bom regresso à luta!
Manuel Baptista

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