sábado, março 28, 2009

Utopia: Wikipédia versus Robert Musil

Utopia tem como significado mais comum a idéia de civilização ideal, imaginária, fantástica. Pode referir-se a uma cidade ou a um mundo, sendo possível tanto no futuro, quanto no presente, porém em um paralelo. A palavra foi cunhada a partir dos radicais gregos ο, "não" e τόπος, "lugar", portanto, o "não-lugar" ou "lugar que não existe".

Utopia é um termo inventado por Thomas More que serviu de título a uma de suas obras escritas em latim por volta de 1516. Segundo a versão de vários historiadores, More se fascinou pelas narrações extraordinárias de Américo Vespucio sobre a recém avistada ilha de Fernando de Noronha, em 1503. More decidiu então escrever sobre um lugar novo e puro onde existiria uma sociedade perfeita.

O "utopismo" consiste na idéia de idealizar não apenas um lugar, mas uma vida, um futuro, ou qualquer outro tipo de coisa, numa visão fantasiosa e normalmente contrária ao mundo real. O utopismo é um modo não só absurdamente otimista, mas também irreal de ver as coisas do jeito que gostaríamos que elas fossem.

Utopia - conceito filosófico

http://pt.wikipedia.org/wiki/Utopia

O problema desta gente é que, não colhendo a lição de Thomas More, não conseguem imaginar um local novo e puro onde existiria uma sociedade perfeita. Afogados no lodo do neoliberalismo, eufemismo para o regime capitalista e pseudo-democrático em que hoje vivemos, procuram enredar-nos na sua teia de grosseira impossibilidade. O mundo real é efectivamente aquele que apregoam, mas eles estão cegos, não querem ver para além desse mundo, não desejam conceber outra organização, desenrascam-se no meio pútrido concorrendo entre si. Usam todos os meios ao seu alcance. Como o mundo que defendem está viciado, corrompido e infeliz, seria digno de mentes sãs que pudessem querer ver o erro e acabar com ele, inverter o processo de destruição e começar a cooperar e trabalhar em conjunto para alcançar o bem comum.

Isto chegou a um ponto que já não está para graças, quanto mais para desgraças. Resta-nos unir vontades de um mundo melhor que este. Ver para além deste que não queremos, agir no sentido de abrir saídas, procurar corrigir o erro, mas nunca persistindo nele, a pretexto que é a podre realidade que temos. Eis um falso argumento usado contra a utopia.

A utopia não está condenada a ser uma impossibilidade. A não ser porque ao se concretizar, ela se cumpre, deixando de ser uma utopia e passando a ser uma realidade. Querem nitidamente fazer-nos crer que as utopias são impossibilidades, impingem-nos absurdos como “o utopismo é um modo não só absurdamente optimista, mas também irreal de ver as coisas do jeito que gostaríamos que fossem.” (tenha dó, meu irmão, aprenda a pensar bem e não se atreva a me dizer o que eu devo pensar!) – eis a norma da Wikipédia, ferramenta largamente consultada pela camada jovem, jornalistas e não só. O choque tecnológico global que despeja a informação que quer onde quer que esteja. Quantos conceitos errados e subjectivos de influenciadores oficiais.

Como não questionar essa rejeição de ver as coisas do jeito que gostaríamos que elas fossem? Por que não hão-de ser as coisas como queremos que sejam, se o mundo se puder tornar num lugar mais justo e equitativo? Lá porque eu idealizo um mundo em que ninguém passasse fome e em que houvesse repartição dos recursos, e esse mundo não existe na realidade porque os senhores do mundo preferem investir em armamento, devo abandonar essa esperança dando-a como um utopismo (o que se entende por um “utopismo… fantasioso”?) Ou antes persistir na direcção real da utopia exigindo cada vez mais atingir a sua possibilidade de concretização?

Utopia - conceito filosófico

http://pt.wikipedia.org/wiki/Utopia

Prefiro voltar a Musil, que tem uma das frases que conservo e repito através do tempo:

Uma utopia é uma possibilidade que pode efectivar-se no momento em que forem removidas as circunstâncias provisórias que obstam à sua realização.

(Robert Musil, in introdução à obra Utopia de Thomas More)

Robert de Musil
Austria
[1880-1942]
Escritor

Utopia


Uma utopia é mais ou menos o equivalente de uma possibilidade; o facto de uma possibilidade não ser uma realidade significa apenas que as circunstâncias com as quais a primeira está articulada num determinado momento a impedem de ser a segunda, porque de outra forma ela mais não seria do que uma impossibilidade. Se essa possibilidade for liberta das suas dependências e puder desenvolver-se, nasce a utopia. É um processo semelhante àquele que se verifica quando um investigador observa a transformação de um elemento num composto para daí tirar as suas conclusões. A utopia é a experiência na qual se observam a possibilidade de transformação de um elemento e os efeitos que ela provocaria naquele fenómeno composto a que chamamos vida.


Robert Musil, in 'O Homem sem Qualidades'

http://www.citador.pt/pensar.php?op=10&refid=200901311200

Comentário:

Utopia: expressão de um desejo de uma outra sociedade
Há utopias autoritárias: exemplo clássico é o próprio livro de Thomas More.
O marxismo é uma utopia, na medida em que esse desejo de comunismo (que não é utopia em si mesmo, visto ter existido no passado remoto e existir em pequena escala em certas comunidades humanas contemporâneas) é inviablizado - na prática- pelo caminho que preconizam os marxistas (tomada do aparelho de estado e colocação do mesmo, como se fosse instrumento passivo, supostamente, ao serviço da «classe trabalhadora» com vista à própria destruíção dessa construção chamada «Estado»).
Sou portanto favorável a uma visão ética do socialismo (o socialismo do século XXI ou será libertário ou não terá existência...).
Preconizo, não a propaganda de uma utopia, como construção social imaginária, saída da mente de um ou vários indivíduos, mas a construção de um caminho para uma outra sociedade autogerida pelas pessoas concretas, desde a base, desde os locais de resolução dos seus verdadeiros problemas (ou seja: o socialismo real, não os «capitalismos de estado» que nos quiseram vender como socialismo!).
Para construir esse socialismo é indispensável uma postura de democracia directa, de debate fraterno, de compreensão profunda do que é o princípio da «acção directa» (também difamada como ideia pelo facto de ser associada, quase sempre, a actos «violentos»)

Solidariedade,
Manuel Baptista


2 comentários:

Anónimo disse...

Utopia: expressão de um desejo de uma outra sociedade
Há utopias autoritárias: exemplo clássico é o próprio livro de Thomas More.
O marxismo é uma utopia, na medida em que esse desejo de comunismo (que não é utopia em si mesmo, visto ter existido no passado remoto e existir em pequena escala em certas comunidades humanas contemporâneas) é inviablizado - na prática- pelo caminho que preconizam os marxistas (tomada do aparelho de estado e colocação do mesmo, como se fosse instrumento passivo, supostamente, ao serviço da «classe trabalhadora» com vista à própria destruíção dessa construção chamada «Estado»).
Sou portanto favorável a uma visão ética do socialismo (o socialismo do século XXI ou será libertário ou não terá existência...).
Preconizo, não a propaganda de uma utopia, como construção social imaginária, saída da mente de um ou vários indivíduos, mas a construção de um caminho para uma outra sociedade autogerida pelas pessoas concretas, desde a base, desde os locais de resolução dos seus verdadeiros problemas (ou seja: o socialismo real, não os «capitalismos de estado» que nos quiseram vender como socialismo!).
Para construir esse socialismo é indispensável uma postura de democracia directa, de debate fraterno, de compreensão profunda do que é o princípio da «acção directa» (também difamada como ideia pelo facto de ser associada, quase sempre, a actos «violentos»)

Solidariedade,
Manuel Baptista

Kaotica disse...

Manuel

Obrigada pela tua contribuição. Continuo "fiel" ao Robert Musil.

Um abraço

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