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Ode ao pequeno empresário
Amigos, a história que vou contar é fictícia, mas acontece milhares de vezes. Repete-se todos os dias ao longo do país. Qual é o actor principal desta história? O resistente, o duro, o terno pequeno empresário, a alma mater do PIB português.
Eis a história, ou melhor, eis a microdistopia do pequeno empresário. O senhor K. entrega uma encomenda ao senhor Caloteiro. O senhor Caloteiro, tal como o nome indica, não paga ao senhor K., alegando que não tem dinheiro. Porquê? Porque a Câmara Municipal lhe deve dinheiro. Farto deste tandem de caloteiros, o senhor K. avança para o tribunal. Passado um ano, o senhor juiz decide o seguinte: a Câmara Caloteira deve pagar directamente ao senhor K. o montante da dívida do senhor Caloteiro. Mas já passou outro ano, e o dinheiro ainda não chegou. A burocracia da Câmara entrecruza-se com a burocracia do tribunal, criando assim uma orgia burocrática que dinamita a vida do senhor K. Enquanto espera pelo dinheiro, o senhor K. procura reduzir custos. Dos dez trabalhadores da sua empresa, o senhor K. pretende despedir três. Debalde. O senhor K. descobre que é impossível impor um despedimento individual
Esta história ilustra a faceta predadora do nosso Estado. O Estado português é o principal inimigo dos portugueses. E esta inimizade tem três dimensões. Em primeiro lugar, o Estado comporta-se como um rufia; não paga a tempo e horas. Não temos um Estado-Social. Temos um Estado-Caloteiro.
Em segundo lugar, a lentidão atroz da justiça emperra qualquer actividade económica legítima; os empresários são empurrados para a corrupção e para a economia paralela. Não temos um Estado-de-Direito. Temos um Estado-de-Corrupção.
Em terceiro lugar, o código de trabalho impossibilita qualquer liberdade económica. Amigos, os pequenos empresários são triplamente tramados pelo nosso Estado, o tal Estado que passa a vida em banquetes com as megaempresas semiestatais protegidas pelas golden shares.
Muitas pessoas dizem que a sociedade civil portuguesa não é activa. Estas pessoas nunca assistiram à labuta diária do pequeno empresário, o duro e terno herói que mantém Portugal acima da linha de água.
Chouriço
Vou passar o Apocalipse a assar chouriço. Não se assustem, meus amigos. Eu já explico esta Sodoma gastronómica. Anda por aí muita gente a dizer que o Apocalipse chegou. O capitalismo, dizem os profetas, está a ser consumido pelo fogo dos justos. Eu, que não percebo nada de religião, não posso contra-argumentar. Mas, a ser verdade, tenho a dizer uma coisa: tenho pena. Eu até gosto do capitalismo. E gosto sobretudo do centro comercial, esse bicho patusco que nunca fez mal a ninguém.
Reparem numa coisa: há dias, entrei num desses centros e sai de lá com um livro de Conrad, um CD de Mussorgsky e um chouriço para assar enquanto via a selecção. Como vêem, o centro comercial prova que Conrad e Mussorgsky podem partilhar o tecto com um enchido. Esta amplitude térmica do centro comercial é imbatível. Portanto, se não se importam, enquanto o vosso Apocalipse não chega, eu vou andar por aqui assando o chouriço de Conrad.
Henrique Raposo
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