terça-feira, abril 18, 2006

Hinos à Noite

Outrora, quando vertia amargas lágrimas, quando, diluída na dor, a minha esperança se desfez e eu me encontrava sozinho sobre o estéril montículo que encerra em negro e estreito espaço a imagem da minha vida – só, como jamais alguém esteve, impelido por um medo indizível - inerme, tão somente com um único pensamento ainda, o da carência. – Quando olhava em meu redor em busca de auxílio, sem que pudesse avançar nem recuar, preso por uma saudade infinita a essa vida extinta e fugidia: - eis que da distância azulada – dos altos cumes da minha antiga bem-aventurança, veio um frémito do crepúsculo - e de súbito romperam-se os vínculos do nascimento – a cadeia da Luz. Para longe de mim se voltou o curso do explendor terreno e, com ele, o meu luto – e também a melancolia fluiu para um novo mundo, infundamentado – e tu, exaltação nocturna, torpor do Céu, vieste sobre mim – todo o lugar se elevou no ar mansamente; e sobre o lugar pairou o meu espírito, desvinculado, de novo nasciturno. Em nuvem de poeira se converteu o montículo de terra – e através das nuvens vi a fisionomia gloriosa da Amada. Nos seus olhos repousava a Eternidade – prendi-lhe as mãos, e as lágrimas eram um laço cintilante, irrompível. Milénios perspassaram a caminho dos longes como intempéries. Suspenso do seu colo, chorei lágrimas de deleite pela nova vida. – Foi esse o primeiro e único sonho – e somente desde então tenho uma fé eterna e imutável, no Céu da Noite, na sua luz, a Amada.

NOVALIS (1772-1801) Os Hinos à Noite
Tradução: Fiama Hasse Pais Brandão

1 comentário:

Alien David Sousa disse...

Que comentar? Muito bom.

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