sábado, abril 01, 2006

Tributo A Mário Viegas: 10 anos da sua morte



«Se um dia venderem, não se deixem morder»

Nos anos recentes, poucos são os intelectuais portugueses que devem à sua criação uma liberdade tão radical como Mário Viegas. E que tão facilmente descobrem um determinado percurso pessoal no produto da sua própria obra. A RTP Memória recuperou-o, numa madrugada fria da última semana com um improvável Herman José. Estávamos no ano de 1992, fase descendente do cavaquismo. Em estúdio, com a sua notável disciplicência, fumou cigarros como não se via em televisão desde aquele telejornal apresentado por Fialho Gouveia em Abril de 1974. E Mário Viegas falou. Com uma alegria que nos desarma. Falou de tudo. Do teatro, dos poemas, dos seus autores. Dos amigos, prazeres, repulsas. Explicou o que era a sua esquerda. Se houvesse uma corrida de cavalos, apostaria sempre no burro. Personificava o desprezo por esses pequenos homens do poder e da norma. Lembram-se do Europa Não!, Portugal Nunca? Tinha imensos projectos futuros, naquele ano de 1992. Saberia já o que de irremediável transportava consigo? Saramago escreveu que Mário Viegas «era um cómico que levava dentro de si uma tragédia. Não me refiro à implacável doença que o matou, mas a um sentimento dramático da existência que só os distraídos e superficiais não eram capazes de perceber, embora ele o deixasse subir à tona da expressão às vezes angustiada do olhar e ao ricto sempre sardónico e amargo da boca. Fazia rir, mas não ria. Pouca gente em Portugal tem valido tanto». Tinha imensos projectos futuros, naquele ano de 1992. Quatro anos antes de morrer. Mas não sem antes dar instruções à família sobre o que fazer com o previsível espólio. Por detrás dos seus quadros, escreveu: «Este quadro custou tanto; se um dia venderem, não se deixem morder». (28.11.05 .: Tiago Barbosa Ribeiro)

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