Entre uma máquina de roupa e a mudança do caixote dos gatos, Dona Dondoca pespegou-se a olhar as manchetes do jornal diário. E não pôde deixar de se espantar. Olha se eu tenho botado a boca no trombone, já esta manchete não seria de hoje, mas de há dois anos atrás, boquiabriu-se ela para dentro. Pois então não foi mesmo ela que nessa altura ligou para a então presidenta da associação de pais perguntando que era aquilo de pedirem uma resma de papel por aluno, se era para abrir uma fotocopiadora! A mulher de lá achou melhor fingir que achava realmente, nem sabia de nada, que ia se informar mas que entretanto não seria talvez obrigatório. Tanto que ela meteu os pés pelas mãos telefonicamente falando. E foi também quando a escola básica se integrou de tal forma naquele agrupamento que foi viver para lá… funderam-se as duas, pensava Dona Dondoca já longe da notícia em si. Foi aí que o conselho executivo dessa escola pediu aos pais que pagassem um X de inscrição. Naquela altura Dona Dondoca pagou mas desconfiou da inconstitucionalidade do pagamento: pois se a lei de Bases do Sistema Educativo diz que “o ensino básico é gratuito”!, admirou-se. Foi quando a escola lhes quis vender à viva força as t-shirts com o logótipo que tinham sobrado do ano anterior, emitindo uma espécie de comunicado que impunha o uso – e a consequente compra – das ditas para a prática da educação física. Já nesse tempo Dona Dondoca tinha dito que ela não as ia comprar e as mães mais temerosas, ouvindo isto se esganiçaram a avisá-la lá no portão da escola que era obrigatório, sim senhora, que tinham visto num papel da escola… Grande plano de Dona Dondoca associando que também ela já tinha visto Deus em gravuras e nem por isso passara a acreditar mais nele. E agora isto, esta manchete ocupando meia página do jornal e ela pensando se era mais fácil acreditar na realidade que os jornais mostram ou na realidade que se desenrola na frente dos nossos olhos.
Quem teria acreditado nas palavras de Dona Dondoca se ela na altura tivesse dito àquela gente toda que aquilo era um escândalo inadmissível, caso para manchete de jornal. Alguém teria feito fé em Dona Dondoca? Nem quando ela avisou que, em pleno ano da Obesidade Infantil, quando os estudiosos já alertavam que as nossas crianças, devido à alimentação que hoje praticam, teriam uma esperança de vida inferior à da nossa geração, ninguém ligou; enquanto isso no bar da escola dos filhos de Dona Dondoca, e dos outros filhos, se explorava descaradamente um negócio de batatas fritas e salgados de pacote. A carrinha descarregava lá grandes provisões que desapareciam vendidas desenfreadamente em cada intervalo a crianças que se atropelavam ávidas por consumir aqueles pacotes.
Dona Dondoca também reconheceu o negócio do aluguer dos cacifos. Onde chegaram já os princípios do utilizador pagador…! Esteve mesmo para entrar nessa, pois sua filha, não sendo nem um burro, nem um doutor, mesmo assim ela anda carregada de livros.
Dona Dondoca fica a pensar que há por aí muitos senhores e senhoras que só serão economicamente viáveis quando os nossos filhos forem para a escola de cartão magnético, o qual automaticamente irá sacando da nossa conta bancária, já de si electrónica, todos os passos que debitarem pela escola.
Se já é isto na escola pública, imagina só quando os privados lhe deitarem as manápulas e começarem eles a praticar o ensino cash para ver quem faz da escola o maior lucro, foi o último pensamento de Dona Dondoca antes do transporte na música do Chico.
1 comentário:
O mais vergonhoso é que tudo isto é feito sob uma fachada de legalidade. Os pais não sabem nem procuram saber e, como o dinheiro é sacado em pequenas quantidades de cada vez ninguem se parece importar.
bjs
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