sábado, fevereiro 16, 2008

Des(informação) em Directo: Uma bota e três capachos

Todas as semanas, a SIC Notícias mostra o que vai ser a edição semanal do Expresso. A excelência do jornalismo, em antecipação, com Ricardo Costa, Nicolau Santos e alguns convidados semanais.

Expresso da Meia-noite, SIC NOTÍCIAS

Imagem (genericamente modificada) retirada do Kaos (ler texto)

Lamentavelmente esta semana só lá estava o Nicolau no país das maravilhas; tivemos pena, fez-nos falta o mano Costa pois apreciamos sempre confirmar as nossa suspeitas de que a informação anda manipulada e gera-se no seio da mais completa fraternidade com os governantes.

Que melhor exemplo de fraternidade deste conluio a que hoje assistimos? Falou a senhora ministra e logo uma chusma de oportunistas se lança no atropelo da apropriação mais vil da representatividade que se podia imaginar num debate que, por ser sobre o Ensino, devia dar bons exemplos: vem o presidente do Conselho das Escolas, Álvaro Almeida dos Santos, e diz: “nós, escolas”. Claro que este chamado “Conselho das Escolas" foi escolhido a dedo e formado às pressas pelo Ministério da Educação para ter um conselho-fantoche a falar pelas escolas do país; e o Nicolau continua a dar as deixas: “deixe-nos ouvir a voz dos pais”:

Entra o Albino, the Voice, na discussão (que discussão? ali não há discussão, estão todos formatados para dizer a mesma coisa e defender as mesmas políticas do ensino) e nós pais coramos de vergonha por estarem a usar a nossa qualidade de sermos pais para dizer tanta enormidade, para descer tão baixo e se pôr perfeitamente de cócoras diante da ministra. Tanto yes, minister sem o toque british, embora evoque o modelo inglês (sim, já sabemos que estas leis fazem parte de um plano maior, que imitam o modelo inglês que por sua vez imita o americano, já sabemos que o ataque é global e vem em pílulas da união europeia para destruir o próprio conceito de escola pública em nome das leis do mercado e que o objectivo último é a privatização do ensino. Quem sabe nessa altura alguns pais não poderão comprar escolas e ser donos do ensino. Talvez até possam depois dispensar os professores e tomar o seu lugar na atribuição das notas). Apenas lhe reconhecemos a esperteza saloia naquelas falas, num atropelo de palavras decoradas dos programas do ministério da educação. Um crápula que usa o bom nome de uma estrutura associativa, a CONFAP, tomada de assalto por estes pulhas, que usurpam os apoios financeiros não os distribuindo por toda a organização que encabeçam, como é sua obrigação, deixando sucumbir a estrutura que suporta a CONFAP (sem essa estrutura a CONFAP simplesmente não existe, é a voz de falsete do senhor Albino). Corta-se assim as ligações ao verdadeiro movimento associativo que ainda existe, ignorando-o e ousando falar em nome dessa estrutura de pais organizados e conscientes que só podem repudiar esta falsa representação: diz sem vergonha que tem sob a sua alçada "1800 federações" mas não as consulta, antes recruta entre os seus contactos pais da sua laia, oportunistas, que não se encontram organizados, acenando-lhes falsas promessas de cargos: “muitos pais estão já a ser contactados para vir a ser os futuros presidentes dos Conselhos Gerais”. Uma vergonha!

Além disso o Albino veio reafirmar que o que os pais querem é ver resultados: os alunos mesmo maus devem ter a oportunidade do sucesso. Diz o próprio Albino que os professores estão afogados em trabalho e por isso podem muito bem deixar para os pais essa tarefa de avaliar os alunos. É que, segundo o Albino há esta incompatibilidade de os professores verem alunos onde os pais vêm filhos. Por isso é tão importante serem estes a garantirem-lhes o sucesso, participando activamente na avaliação, ou seja, dê lá por onde der os filhos têm é que passar de ano, sejam bons ou maus alunos, para tal bastará que os pais tomem os órgãos de decisão da escola de assalto.

O jornalismo hoje é tão reles, que não nos admirámos nem um pouco da vileza dos convidados para o debate, nem que a FENPROF não estivesse presente. Que os media andam manipulados não é novidade, mas realmente é escandaloso. A FENPROF tem questionado activamente todas a contra-reforma do Ministério da Educação usando os meios legais ao seu alcance para deter o processo de destruição a que está a ser submetida a escola pública (4 providências cautelares), o que no mínimo é um assunto quente. Mas afinal quem aparece é a FNE, a chamada UGT dos sindicatos dos professores, que não deseja senão fazer pequenos ajustes no processo em curso. Não diz que o ataque não pode ser feito mas que o ataque deve ser bem feito, devendo-se “reforçar a autonomia”. Para este senhor a autonomia deve efectivar-se e não ficar pela retórica dos políticos. Vem vender o seu peixe miúdo: “para haver autonomia tem que haver condições: tem que haver meios humanos” (mão de obra) “e financeiros” (ó Abreu, dá cá o meu!) e toca para a frente que a educação é o que aqui menos importa. Chama-se a isto negociação sindical e, claro, teve que fazer o seu papel para enganar a classe que se deixa enganar por estes discursos, dizendo que os professores são centrais nas escolas e que a gestão colegial que lá está instalada já tem as suas lideranças fortes, para quê vir outra gente tomar o poder? Afinal o que todos mais precisam as escolas é de lideranças fortes, aqui não se trata de educação, trata-se de gestão. Aqui também estão todos estão de acordo, até o Secretário-Geral da FNE, João Dias da Silva, professor (em que escola?) em representação dos professores (lembro que quem não se sentir retratado pode sempre mudar de sindicato, nem que seja para outro que esteja a fingir melhor defender direitos dos professores em vez apenas dos seus interesses de negociata!), leu a mesma cartilha. Para ele desde que se façam uns pequenos ajustes, uns joguinhos de tira daqui para dar acolá, tudo faz sentido. Deve ser um dos que vieram agora defender que os alunos 11 horas na escola é uma coisa boa, desde que dê emprego a mais professores...

Para a sinistra Ministra, com a presença radiosa a que sempre nos habituou, tudo isto é muito simplex de resolver, os professores é que complicam, são um entrave, quem lhe dera poder fazer uma escola sem professores. Mas não faz mal, reúne uns tantos presidentes de conselhos executivos, dá uma geral, dita as suas normas, rígidas, claro, “o exercício é difícil, é exigente, é preciso simplificar” e toca a despachar paletes de normativos, tudo para simplificar, “com sistemas e processos iguais em todas as escolas”, para reforçar a autonomia (!) e é vê-las melhorar, sem stresses, os professores complicam muito, “é necessário descomplicar, vamos trabalhar no sentido de simplificar”, faz parte da rotina, os professores têm que “desdramatizar, não trabalhar sob o medo e as angústias” (aqui só gostava que a televisão fosse mesmo interactiva e que fosse passando em rodapé todos os nomes feios chamados em simultâneo a tamanha aberração). A ministra ocultou o pormenor que vai ter o queijo e a faca na mão: se os directores não dançarem conforme o Ministério toca ele reserva-se o direito de os exonerar. Só disse que eles vão ser avaliados e que podem estar tranquilos que o Ministério vai “distinguir e premiar as boas práticas”. Claro que para a ministra “a excelência não se distribui” (aliás estava de férias quando os pais fizeram a criatura) , pelo que “não podemos admitir que haja 70% de pessoas excelentes e 30% não excelentes, o contrário é que é o normal”. Ou seja, a excelência vai ser como as quotas: se numa escola mais de 30% dos professores forem excelentes, isso não é normal, logo se impõe arranjar alguns bodes expiatórios e mandar que se lhes baixe a excelência. Para isso será útil contar com os professores avaliadores, que por sua vez também serão avaliados pelo(a) senhor(a) Director(a) que se limitará a fazer aplicar as normas ministeriais. Será por estar a formar toda uma equipa de paus mandados que qualificou publicamente os professores de “professorzecos”? Realmente correm o risco de se tornar desprezíveis os seres que aceitam não serem excelentes em troca de serem meros cumpridores de ordens e de normas. Como pode esta bruxa continuar à frente da Educação depois disto? Que tacto tem ela para lidar com a classe dos docentes? Esta bota só se pode debater mesmo é com capachos destes a fazer-lhe frente. Mas qual fazer-lhe frente? Neste debate ninguém fez frente a ninguém, todos trocaram os seus sorrisos cúmplices. Como tantos outros a que temos assistido, este debate não foi feito para discutir os problemas do ensino, este debate foi só para num momento de grande contestação um simulacro das várias partes implicadas no processo educativo virem dizer em uníssono “yes, minister”! E que coincidência jornalística tudo isto se passar nas vésperas do senhor engenheiro ir encontrar-se com os senhores do seu partido para os convencer que o Ensino está no bom caminho!



6 comentários:

rendadebilros disse...

Eu não vi, mas já ouvi falar e agora vejo aqui a confirmação: uma tristeza...
Bom fim de semana.

rendadebilros disse...

Ah já percebi que vão jantar outra vez sem mim... quando resolvem vir até às terras altas? Para a Primavera?
Que corra bem e lembrem-se de nós que não podemos estar presentes...

Kaotica disse...

renda

Pois é, só visto, contado não se consegue dar a verdadeira dimensão da vergonheira a que chegou o debate público sobre a Educação.

Vamos jantar sem ti e eu, pela minha parte tenho pena que não vás. Lembra-te que eu já vivi 10 anos nos Açores e aí sim havia um verdadeiro obstáculo. Sendo aqui no "contenente", torna-se mais fácil. Estamos desejosos pelo TGV e pelos seus bilhetes a preços sociais (comparticipados) para o pessoal dos blogues se juntar nestes jantares.

Só agora soube do prémio que atribuiste ao Pafúncio. Deste gosto, deixa-me toda orgulhosa! Obrigada!

Maria Lisboa disse...

Dificuldade de Governar

1.
Todos os dias os ministros dizem ao povo
Como é difícil governar. Sem os ministros
O trigo cresceria para baixo em vez de crescer para cima.
Nem um pedaço de carvão sairia das minas
Se o chanceler não fosse tão inteligente. Sem o ministro da Propaganda
Mais nenhuma mulher poderia ficar grávida. Sem o ministro da Guerra
Nunca mais haveria guerra. E atrever-se ia a nascer o sol
Sem a autorização do Führer?
Não é nada provável e se o fosse
Ele nasceria por certo fora do lugar.

2.
E também difícil, ao que nos é dito,
Dirigir uma fábrica. Sem o patrão
As paredes cairiam e as máquinas encher-se-iam de ferrugem.
Se algures fizessem um arado
Ele nunca chegaria ao campo sem
As palavras avisadas do industrial aos camponeses: quem,
De outro modo, poderia falar-lhes na existência de arados? E que
Seria da propriedade rural sem o proprietário rural?
Não há dúvida nenhuma que se semearia centeio onde já havia batatas.

3.
Se governar fosse fácil
Não havia necessidade de espíritos tão esclarecidos como o do Führer.
Se o operário soubesse usar a sua máquina
E se o camponês soubesse distinguir um campo de uma forma para tortas
Não haveria necessidade de patrões nem de proprietários.
E só porque toda a gente é tão estúpida
Que há necessidade de alguns tão inteligentes.

4.
Ou será que
Governar só é assim tão difícil porque a exploração e a mentira
São coisas que custam a aprender?


Bertolt Brecht

Kaotica disse...

Será!

Obrigada pelo texto. Já o tinha lido mas não me tinha lembrado dele. Vou pô-lo no Pafúncio, sim?

Bjos

Maria Lisboa disse...

Estás à vontade! :)

Bjs

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