terça-feira, fevereiro 05, 2008
O Carnaval não é de hoje...
Pátria (Guerra Junqueiro), 1896
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. [.]
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar.
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2 comentários:
Olá Kaótica,
É fantástico, de tão actual, este texto do Guerra Junqueiro.
Eu própria também já o publiquei há uns tempos atrás, porque verifiquei que mais de um século depois as coisas não mudaram...
O mesmo acontece com uns sonetos que publiquei ontem e que nos mostram como o homem continua igual, cá como no Brasil, pelo menos.
Um abraço
Olá Meg
Tive a sorte de ter na faculdade professores que me deram a conhecer este e outros textos. É uma época reveladora de muitos dos podres com que nos deparamos hoje em dia: os tratados, a Europa, os humilhados e ofendidos, a miséria do povo, os compadrios, as corrupções, dois partidos causadores de tudo isto governando em alterne, encobrindo-se e revelando-se, uma justiça vergonhosa. Naquele tempo desencadeou no regicídio, agora não sei a que limites chegará a nossa paciência.
Vou ler os teus sonetos. Boa quarta feira de cinzas!
Abraço
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