sábado, abril 05, 2008

...E ontem estive aqui!

O blogue que se lixe. Ontem nem cá vim.
Foi sem sombra de dúvidas uma GRANDE homenagem ao 25 de Abril, embora continue a achar, mais do que nunca, que uma nova revolução seria a melhor homenagem que poderíamos prestar ao 25 de Abril e às nossas convicções.
Uma coisa é certa: há muita gente descontente com o ponto a que chegámos e já houve muito quem reconhecesse que bastaria uma faúlha para atear o fogo, pois o restolho já está seco. Fogo purificador, este.
Os gregos encontraram na catarse o modo de conter as massas. Os cidadãos gregos, que já na altura não eram toda a gente (as mulheres e os escravos não tinham lugar no teatro), reuniam-se nos teatros para ver a sua vida quotidiana transposta em grandiosas e eloquentes tragédias. As tragédias eram a sua telenovela elevada. Os conflitos (dialética) da existência dos homens superiores. E eles ali sem saber de que lado estava a razão, a ter que decidir em consciência. A sofrer individualmente e em conjunto, uns perante os outros. No climax atingiam o êxtase, emocionavam-se, choravam com o destino das personagens. Máscaras de extremos, personas de estatura heróica, actores dos grandes gestos, dos excelentes discursos, para o bem e para o mal. É preciso não esquecermos que o seu tempo não estava minado pelo bem e pelo mal que a igreja católica engendrou. Era tudo uma questão de consciência e de emoção. Os gregos viviam o que se passava no palco. A catarse expurgava-os dos seus próprios conflitos interiores, saíam de lá mais apaziaguados: que tragédia menor era a sua tragédia pessoal medida com aquelas tragédias de faca e alguidar. O teatro grego, verdade seja dita, era promovido pelos governantes da cidade em sintonia com o calendário de festas religioso.
As vanguardas revolucionárias, provocaram um abanão nas consciências, mas tiveram que arder no seu próprio fogo, para serem vanguardas, senão corriam o risco de se tornar em mais uma instituição. como acontece aos sistemas capitalistas que quanto mais crescem mais se auto-destroem. O capitalismo é como o fogo, quanto mais arde mais depressa se consome e se extingue, ouvi dizer um dia ao Kaos muito melhor do que desta forma. O pior é que os fogos, quando se incendeiam destroem tudo à sua volta, indiscriminadamente.
A minha verdadeira cultura é a do 25 de Abril. Os gregos foram importantes, as vanguardas foram empolgantes, mas o 25 de Abril abriu as portas que abriu: cresci a ouvir aquelas músicas numa língua que podia entender. Faziam (fazem!) todo o sentido para entender que há exploradores e explorados e foram formadoras para decidir qual dos lados estava a jogar um jogo sujo. A cantiga é uma arma de pontaria, não tem nada a ver com catarses. Não há catarse que valha a permanente ânsia de mudança. As coisas são o que são, mas as coisas não podem continuar assim, não nos podemos contentar. Temos que continuar a cantar o nosso desejo de justiça, a chamar os bois pelos nomes e a dizer basta! Basta! Não me obriguem a vir para a rua gritar, que é já tempo de embalar a trouxa e zarpar.
Ontem o 25 de Abril foi evocado e foi institucionalizado. Foi evocado e convocado por todos os que juntos cantaram porque não se esqueceram das palavras das cantigas. E também porque continuam a fazer sentido, muito sentido. Foi institucionalizado pela exigência de o encenar e transmitir em diferido, como o cumprimento de um programa de festas, como fazem os sindicatos. Falta de coragem de a RTP não o passar em directo, como se faz com o Carnaval do Brasil, a vitória do Porto ou a baixaria do Big Brother. O que esperavam que acontecesse, que risco corriam de se ouvirem mais vozes do que as previstas? Imagine-se no teatro grego interromper-se a agonia de Antígona para voltar a filmar. Rewin Rewin Rewin Houve uma imperdoável (intencional?) quebra de espontaneidade, provocada e não espontânea, que é o que importa. Eu quero lá saber do programa da RTP! Até nem me admirava que o programa fosse passado no próximo 25 de Abril à tarde para as pessoas ficarem em casa a ver e não irem à manifestação!
Agora, quem lá estava de coração e alma não pode deixar de ter gostado de lá estar. Pensaram em tudo, até nos momentos mortos em que a Maria Barroso iria declamar para dar tempo aos fumadores fumarem fora de portas (se lá tivesse ficado a ouvir seria pelos poetas, não pela ex-primeira dama de todos os portugueses, cujo marido aterrou em Portugal trazendo já na sua pasta à diplomata os planos para oferecer Portugal de mão beijada aos monopólios da CEE, com a bênção do cia Carlucci. E a CEE, comparada com a União Europeia ainda tinha alguns princípios, entretanto perdidos.

Gostei de lá ter ido. Fez-me bem sentir aquele calor humano que se fazia sentir. As vozes levantadas em uníssono a favor de Abril. A união é o mais importante: a gente o que tem é que estar unidos contra as forças que querem apagar Abril. Que força é essa, que força é essa que trazes nos braços, que só te manda obedecer, que força é essa amigo que te põe de bem com outros e de mal contigo, que força é essa amigo? Na televisão não se vai ouvir, mas de vez em quanto lá surgia uma boca ou outra confirmando que estamos conscientes que é preciso evocar Abril, que é mais do que nunca necessário defendê-lo e às suas conquistas. Conscientes de que hoje o ex-pide, o vira-casacas e a jornalista estão bem na vida e a actual pseudo-democracia é-lhes favorável. Por isso é tão importante continuar a desmascará-los, mesmo de forma revisteira, para que o povo o entenda bem. Francamente não gostei da parte revisteira, nem dos papelinhos brilhantes jorrados sobre o coro alentejano sem chapéu. Felizmente estes não vieram de longe, como o José Mário Branco, cuja canção tão bem mostra o princípio e o fim da revolução. Como ela tão bem diz, a mudança só será possível quando toda a gente assim quiser.


6 comentários:

samuel disse...

Parabéns pela análise do evento.
Um abraço pela presença.
Odiei os papelinos! :)))
Adorei lá estar e "fazer" o que fiz!

Abreijos.

Kaotica disse...

samuel

Obrigada, acho que me excedi um pouco na análise (os gregos e as vanguardas eram escusadas), mas um GRANDE acontecimento, merece uma grande reflexão. Se fosse hoje já não o escreveria assim, diria antes que foi muito positivo lembrar Abril. Adorei lá estar e ouvir o que ouvi!

Um abraço

Mariazinha disse...

Gostei imenso do texto.
Sabes está mesmo nas nossas mãos denunciar,gritar e tentar passar a mensagem daquilo que querem esquecido.
Os papelinhos à americana foram despropositados e se querem fazer do 25 de Abril uma festarola tipo
carnaval carioca não têm sorte nenhuma.

Uma beijoka e boa semana

Watchdog disse...

Ao ler o que li pelos jornais e agora ao ler o teu texto só tenho uma coisa a declarar: Estou roido de inveja por não ter estado lá!

Bji.

Pata Negra disse...

Belo texto, o calor humano de um encontro desses só pode ser inspirador. Gosto de quem assume num parágrafo curto: " aminha verdadeira cultura é a do 25 de Abril" e pronto!
Um abraço companheiro

Anónimo disse...

Muito inspirada te deixou esse encontro... ainda mais inspirada, queria eu dizer... porque vives intensamnete com o coração...
Beijos.

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