(José Craveirinha)
Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
2 comentários:
Após ler o poema, li-o em voz alta e apercebi-me da musicalidade que ele contém, bem parecida com um tambor. Faz bem juz ao título. Pelo tipo de escrita parece-me que é um autor Africano, não é?
Beijos.
Outsider
Este poema é do José Craveirinha, poeta e escritor cabo-verdiano, um dos que mais gostei de estudar na faculdade. E tens toda a razão, está cheio de ritmo e procura reproduzir o batuque dos tambores africanos. Para mim tem ainda o mérito do conteúdo ser uma espécie de grito solitário na noite apelando à união até que se consuma a "grande festa do batuque". Para mim esta festa tem um sabor muito especial, de incitamento a romper com qualquer treva que eventualmente se esteja a atravessar. A treva é hoje; amanhã pode ser "a festa do batuque"! Mas esta é a minha apropriação do poema, que vejo segundos sentidos em tudo.
Bjos
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