quarta-feira, novembro 22, 2006

Tambor está velho de gritar

Quero Ser Tambor

(José Craveirinha)


Tambor está velho de gritar

Oh velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

corpo e alma só tambor

só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

Nem flor nascida no mato do desespero

Nem rio correndo para o mar do desespero

Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero

Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra

Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra

Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.

Eu

Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala

Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra

Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Oh velho Deus dos homens

eu quero ser tambor

e nem rio

e nem flor

e nem zagaia por enquanto

e nem mesmo poesia.

Só tambor ecoando como a canção da força e da vida

Só tambor noite e dia

dia e noite só tambor

até à consumação da grande festa do batuque!

Oh velho Deus dos homens

deixa-me ser tambor

só tambor!

2 comentários:

Outsider disse...

Após ler o poema, li-o em voz alta e apercebi-me da musicalidade que ele contém, bem parecida com um tambor. Faz bem juz ao título. Pelo tipo de escrita parece-me que é um autor Africano, não é?
Beijos.

Kaotica disse...

Outsider

Este poema é do José Craveirinha, poeta e escritor cabo-verdiano, um dos que mais gostei de estudar na faculdade. E tens toda a razão, está cheio de ritmo e procura reproduzir o batuque dos tambores africanos. Para mim tem ainda o mérito do conteúdo ser uma espécie de grito solitário na noite apelando à união até que se consuma a "grande festa do batuque". Para mim esta festa tem um sabor muito especial, de incitamento a romper com qualquer treva que eventualmente se esteja a atravessar. A treva é hoje; amanhã pode ser "a festa do batuque"! Mas esta é a minha apropriação do poema, que vejo segundos sentidos em tudo.
Bjos

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