Esta pessoa que conheço, teve, tem ainda, sequelas de uma doença realmente grave mas, enquanto pôde trabalhar, deu tudo por tudo aos seus alunos. Ouve-se essa pessoa falar e sabe-se de imediato que ela é uma professora de excelência, empenhada em levar os alunos a serem alguém, a sentirem interesse pelos textos, ensinando-lhes a importância de reflectirem neles por si próprios, levando-os a terem a coragem de ousarem dizer aquilo que pensam. É o que eu chamo uma professora exemplar, porque ela é o que ensina. Entretanto a ela atiram-lhe para as mãos livros de estudo que reduzem os textos literários que ama à receita culinária e à exagese do horário dos comboios. Por isso recusa-se a seguir esses manuais que a ministra aprova e, ao contrário, oferece aos alunos textos literários e música clássica para lhes incentivar o gosto, para cultivar neles uma semente que fará deles seres humanos bem pensantes e não apenas mão de obra barata que nada questiona, como o sistema prefere. Foi não sem mágoa que há pouco a ouvi contar que o Colégio de Santa Maria, um colégio “de sucesso”, levou os alunos numa visita de estudos aos estúdios dos Morangos com Açúcar; não admira, se há mesmo faculdades onde os exempla vêm precisamente desse devasso e devassado campus semântico… Nivelar por baixo, baixar o nível de exigência, abolir a gramática, formatar os alunos em vezes de os levar a descobrir por si próprios, eis a tendência do momento. Não é fácil neste contexto uma professora de língua portuguesa, uma pessoa de cultura, continuar a ser fiel aos seus princípios educativos. Mas ela é assim, esta pessoa. Basta conversar um pouco com ela, ou ouvi-la falar sobre o que se passa hoje com a educação para se ter a certeza de que é uma pessoa competente que sofre os reveses da “Educação” que dita as suas leis lá do alto, de cada vez mais alto, até se perder de vista, de onde vêm tão cretinas ideias, tão obscuros princípios, tão diabólicos planos. São os despachos do ministério, são as directivas da EU, são os planos de Bilderberg. Nem todos podem ser educados para ser senhores do mundo, por isso as crianças portuguesas que se conformem em saber apenas as coisas práticas da vida; que nunca mais se lhes dê a ler na escola A Cena do Ódio de Almada Negreiros, muito menos com uma professora culta que leve os alunos a estabelecer analogias entre épocas. Que jamais alguém os torne pessoas inteligentes capazes de ler Fernando Pessoa. Não, esta professora não pode continuar a fazer o que entende ser educação dentro da sua sala de aula. Ela tem que voltar para lá e fazer o mesmo que os outros, cumprir ordens sem questionar: se a ridícula TLEBS estiver na ordem do dia, ela tem que dar a TLEBS e nem pode reclamar, muito menos vir agora com esta desculpa do cancro. Esta professora veio um dia destes contar num jornal que foram à sua escola, buscar todas as suas avaliações para… “ela havia de ver para quê”. Ela ousou contar isto publicamente, assim como tem e terá a coragem de dizer olhos nos olhos a todo o tipo de gente, deputados ou ministros, exactamente aquilo que pensa do absurdo que são as suas medidas educativas. E ela é uma pessoa que pensa e não é pouco. A realidade é um cancro que se desenvolve à sua volta e ela pensa-a, interioriza-a e debate-se contra esse mal.
Agora sofre as consequências da atroz realidade mesquinha e imoral que vem também ao seu encontro. E isto quer a recusa do seu mais que justo pedido de reforma se deva a uma perseguição política por ser uma pessoa de coragem que diz e assume publicamente o que pensa, quer se deva ao modo abjecto como hoje se processam as juntas médicas
Em nome de mais uma professora digna e brilhante, que em tudo merece ser tratada com dignidade, há que dizer basta, exigir que estes casos sejam resolvidos de vez, imediatamente com seriedade e justiça, e que o grau da sua limitação física ou psicológica seja avaliado por uma junta médica competente e honesta.
Quanto àqueles que de perto vão acompanhando o caso que se está a passar com esta professora que se indignem e não se calem porque noutros casos recentemente ocorridos já ficou provado que falar deles depois pode já ser tarde demais.