A Destruição da Educação em Espanha
Intervenção feita, por um delegado espanhol,
na Conferência Operária Europeia
pelo “Não” ao Tratado de Lisboa
(realizada em Paris, a 2 e 3 de Fevereiro de 2008)
Companheiros de toda a Europa, o colectivo de professores de
Trabalhadores e Jovens pela República (TJR), constituído em
Madrid, decidiu contribuir com esta comunicação à
Conferência Operária Europeia para dar a conhecer aos
companheiros a situação específica da educação em Espanha,
reflexo das directivas rumo à privatização que nos chegam de
Bruxelas.
A principal consequência da adaptação do ensino, a todos os
níveis, às necessidades imediatas do mercado (necessidades da
sociedade, como lhes chamam, eufemisticamente) tem sido a
sua destruturação, também a todos os níveis, cujos detalhes
passaremos a expor.
A privatização dos ensinos infantil, primário e secundário
(quer dizer, os ciclos da educação obrigatória em Espanha)
surge determinada por um modelo de acordos, que consiste no
financiamento público de centros privados, quer sejam
creches, colégios ou institutos. A recentemente aprovada Lei
Orgânica da Educação (LOE), que regula estes subsídios,
possibilita e incentiva o desvio de fundos públicos para centros
privados, ao entender que o Ensino já não é um serviço
público, mas um serviço de interesse geral, cuja
responsabilidade já não recai exclusiva nem principalmente
sobre o Estado. É tão grave e alargado o processo de
privatização da escolaridade obrigatória no nosso país que,
para dar apenas um exemplo, na Comunidade de Madrid,
governada pelo sector mais reaccionário do Partido Popular,
das novas vagas oferecidas no ensino secundário para o ano
lectivo de 2007/2008, só uma quarta parte corresponde a
centros públicos, e os outros três quartos pertencem a centros
privados e semi-privados (quer dizer, privados financiados
com fundos públicos). O colectivo de professores de TJR
iniciou diversas campanhas em defesa da Educação pública,
científica, laica e de qualidade, e entre elas encontra-se, como
eixo central, a exigência da revogação da LOE, que se focaliza
na privatização do ensino e permite aberrações como a que
ocorre na Comunidade de Madrid que acabámos de expor.
Submeter o Ensino secundário às necessidades mais imediatas
de um mercado em contínua flutuação leva à destruição da sua
estrutura e à redução dos seus conteúdos. Deste modo, as
disciplinas tradicionalmente fortes (Física, Química, Biologia,
Geologia, Matemática, Geografia, História, Língua, Literatura,
Filosofia) vêem os seus conteúdos limitados, reduzem-se
sistematicamente os seus horários lectivos e a sua importância
dentro do plano de estudos. Assim, por exemplo, as disciplinas
de Língua e Literatura, tradicionalmente separadas, convertem-
se numa só disciplina, o que implica necessariamente a
redução dos seus conteúdos. O caso da Física e da Química
ainda é mais dramático, pois convertem-se em matérias
facultativas da opção científico-tecnológica do bacharelato.
Em troca, surge uma nova disciplina, obrigatória para todos os
ramos do bacharelato, denominada “Ciências para o Mundo
Contemporâneo”, na qual se ensinará aos alunos,
entre outras coisas, “o uso racional dos
medicamentos”, “os estilos de vida saudáveis”,
“as catástrofes naturais”, Internet, ADSL,
telefones portáteis, GPS, etc., em detrimento dos
conteúdos próprios de duas ciências fortes como
são a Física e a Química.
Igualmente, perante a insistência da União
Europeia, aparece no Ensino secundário uma
nova disciplina denominada “Educação para a
Cidadania”, cujo único objectivo é a doutrinação
ideológica dos alunos pois, como se se tratasse
de um catecismo laico, pretende exaltar os
supostos valores da Constituição Espanhola e da
União Europeia, afastando toda a possibilidade
de analisar criticamente esses ditos valores.
Como exemplo, e de acordo com o objectivo
desta disciplina, há a acrescentar que
recentemente os institutos receberam, do
Ministério da Defesa, CD-Roms nos quais se
incentiva os departamentos a incluir no
programa da referida disciplina um tema onde se
fale das bondades do nosso exército nas suas
missões de paz no estrangeiro, sob as ordens do
mandato dos EUA, camuflados por detrás da
ONU ou da NATO. Nesta nova disciplina, como
na novela de Orwell (1984), a guerra é a paz. É a
forma crua encontrada pelo governo de obter
novos soldados que morram ou que matem – no
Líbano, no Afeganistão ou no Kosovo – para
fazer frente às graves dificuldades de
recrutamento que enfrenta a profissionalização
do Exército. O aparecimento desta nova
disciplina surgiu em detrimento da antiga
disciplina de Ética, cujo papel no ensino
secundário será meramente testemunhal, e da
antiga disciplina de Filosofia que, por um lado,
vai ver reduzido o número de horas dentro do
bacharelato e, por outro lado, vai ver os seus
conteúdos seriamente reduzidos, pois
desaparecem todos os temas relacionados com a
metafísica e a filosofia da ciência, ficando
apenas aqueles temas que se referem à filosofia
política, e – mais a mais – orientando-se para
uma possível legitimação acrítica da ordem
existente. O colectivo de professores de TJR
iniciou uma campanha em defesa da Filosofia e
da Ética, considerando estas disciplinas como
necessárias para a formação crítica dos alunos
enquanto cidadãos independentes e autónomos.