A MORTE DE FRANSELMO NÃO PODE TER SIDO EM VÃO! (CONTRA AS USINAS DE ÁLCOOL NO PANTANAL!) Gomercindo Clovis Garcia Rodrigues* De novo volta à baila no meu querido Mato Grosso do Sul, a questão das usinas de álcool no Pantanal... E volta de forma “sorrateira”, “escondida” num projeto de lei, o 152/2006 de autoria, como não poderia deixar de ser, do ainda Deputado Estadual Dagoberto Nogueira, eleito, infelizmente, em minha opinião, Deputado Federal, com tramitação incrivelmente rápida na Assembléia Legislativa do MS.
O obscuro projeto, exatamente para tentar esconder seus verdadeiros objetivos, traz uma “redação concisa” que, aparentemente, não diz nada e que pode passar despercebido para a maioria da população e, até, para a mídia local e nacional.
Diz a redação do “projeto de lei”:
“Altera a Lei nº328, de 25 de fevereiro de 1.982.
Art.1º - Fica suprimido o art.4º da Lei nº328, de 25 de fevereiro de 1.982, renumerando os demais.x
Art. 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” (Destaquei)
Para entender os verdadeiros “objetivos” de dito projeto, que, pelo que sei, está em fase avançada de tramitação na Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul, vou relembrar um já falecido professor de Direito Penal do meu Curso de Direito na UFAC: “olha o título! Olha o título!”, quando a gente ficava sem saber onde “encaixar” determinada conduta ilícita.
Olhando o “título” – e ressalte-se que “título” aqui tem sentido diferente daquele comum no Código Penal, mas é usado de forma exemplificativa, porque cabível - do projeto, tem-se que ele “altera a Lei nº 328/1982” do Mato Grosso do Sul. E o que diz o “título” daquela lei: “Dispõe sobre a Proteção Ambiental do Pantanal Sul-Mato-Grossense.”
Então, temos que o objetivo maior da Lei nº 328/1982 é o de promover a proteção ambiental do Pantanal sul-mato-grossense, do que, qualquer alteração em tal lei, pode ter por caráter obscuro – e aqui está o meu entendimento quanto ao “Projeto de Lei nº 152/2006” – exatamente desfigurar a lei, torná-la apenas “objeto decorativo”, porque descaracterizada a sua finalidade maior.
Quando o malsinado “Projeto de Lei nº 152/2006” fala em “suprimir” o art. 4º da Lei nº 328/1982 ele quer dizer que está suprimindo o seguinte:
“Art. 4º - Fica proibida a ampliação da capacidade instalada das destilarias de álcool ou usinas de açúcar de que trata o artigo 1º, que já se achem instaladas e em operação na data da publicação desta Lei.”
Ou seja, como se vê, busca criar facilidades para a ampliação da “capacidade instalada” das destilarias que já existiam em 1982. E tais “facilidades” podem ser nocivas?
Claro que sim, e aqui está a ruptura com o objetivo maior da Lei nº 328/1982, pois todos sabemos que por mais que tenha avançado a pesquisa, a ciência, a tecnologia, não conseguiram fazer com que a produção de álcool não gere vinhoto, que pode ser de 12 a 15 litros de vinhoto, ou restilo, por litro de álcool. Na “justificativa” de seu malsinado “Projeto de Lei” o Deputado Dagoberto Nogueira diz que:
“Muito se argumenta sobre o efeito poluidor do vinhoto ou restilo que é o resíduo aquoso do processo de fermentação da garapa, e seu risco potencial para o Pantanal. Este resíduo, rico em nutrientes e matéria orgânica, ao contrário do que ocorria em muitas usinas à época da aprovação da Lei 328 de 1982, em apreço, é hoje reutilizado integralmente nas lavouras, melhorando a composição orgânica do solo e substituindo boa parte dos adubos que teriam que ser esparramados.”
O que o Deputado não diz, nem pode dizer, é que até ser utilizado, e não necessariamente “integralmente”, o vinhoto, que sai do processo produtivo muito quente (em torno de 100º graus), tem de ficar “armazenado” em lagoas, para resfriamento e para a eliminação de resíduos de álcool. Aqui está o risco. Uma “lagoa de armazenamento” de vinhoto pode se romper, pode transbordar se atingida por grandes chuvas e, em caso de acidentes dessa monta – que não é raro e há, inclusive, exemplos recentes! – todo o vinhoto é canalizado para os cursos d’água e, neste caso, como é extremamente poluente (desoxigena a água!) pode causar uma situação irreversível para o Pantanal, dada a sua fragilidade.
Aqui, então, o “Projeto de Lei nº 152/2006” DESFIGURA e DESTRÓI a Lei nº 328/1982, este o seu “caráter obscuro”, escondido de todos, tratado “a sete chaves” até mesmo, pelo que tenho acompanhado, por boa parte dos Deputados Estaduais do Mato Grosso do Sul.
Volto agora ao “título”, mas, ao título deste escrito: a morte de Franselmo não pode ter sido em vão! Não é possível que o sacrifício de um dedicado ambientalista do Mato Grosso do Sul, que chamou a atenção do mundo, possa ser “esquecida” de forma tão torpe pelos ilustres Deputados Estaduais do Mato Grosso do Sul.
Franselmo, como tantos outros que lutaram por um mundo melhor, mais humano, menos “desastrado”, menos destruído, com garantia de sobrevivência para as gerações futuras, para os nossos filhos e netos não pode ser esquecido. Sua morte trágica, seu protesto com a única forma que encontrou à época para chamar a atenção para uma situação de extrema gravidade não podem ser esquecidos e destruídos por uma redação simplória que, aparentemente não diz nada, mas que, no fundo, DESTRÓI TUDO: “Fica suprimido o art.4º da Lei nº328, de 25 de fevereiro de 1.982...”
Suprime o artigo e tira o “espírito da lei”. É como o poema de Eduardo Alves, “No Caminho, com Maiakovski”:
“...
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
...”
Agora é hora de falarmos... porque depois será tarde de mais...
para que a vida e a morte de FRANSELMO não tenham sido em vão!
Em defesa do Pantanal, do meio ambiente e da vida!
Tenho dito!
*Gomercindo Clovis Garcia Rodrigues é matogrossense do sul (Caracol 1959), formado em Agronomia (UFMS/Dourados – 1982) e Advogado militanteem Rio Branco - AC (OAB/AC 1997), formado pela UFAC (fev/1998), ambientalista, amigo de Chico Mendes, com quem trabalhou, membro do Comitê Chico Mendes e autor de “Caminhando na Floresta”. Foi, como estudante de Agronomia em Dourados e vice-presidente do DCE-UFMS, membro da Campanha em Defesa do Pantanal que resultou na Lei nº 328/1982.
(enviado por Cláudia Girelli)